sábado, 30 de abril de 2011

Erik Erikson e os 8 estágios


Há algum tempo eu queria falar sobre Erik Erikson aqui mas não poderia fazê-lo sem falar antes dos mestres maiores da psicanálise, Freud, Jung, Klein... Não poderia mas fiz, Melanie Klein que me perdoe mas vou falar de Erik Erikson antes tocar no "seio bom".

Penso que Erikson é um dos nomes mais importantes da psicologia do desenvolvimento pois sua teoria abrange todo o ciclo vital, do nascimento até a morte. Ele foi um seguidor da teoria Freudiana mas fez diversos acréscimos ampliando as possibilidades. Segundo ele a personalidade humana é determinada não apenas pelas experiências da infância mas também por todas as experiências ocorridas ao longo dos oito estágios, inclusive os da fase a adulta. Uma personalidade está sempre sendo influenciada pelos acontecimentos, pelo meio e pelas pessoas.

Gosto de Erikson, de seu olhar observador, de sua teoria bem explicadinha. Por vezes  pego-me analisando características de alguém em uma determinada idade e pensando "Erikson tinha razão.."


QUEM FOI ERIK ERIKSON

Erik Homburger Erikson nasceu em Frankfurt, na Alemanha, em 15 de junho de 1902. Começou a vida como artista plástico e aos 25 anos foi lecionar em Viena quando passou a ter contato com a família Freud, em especial Anna Freud com quem começou a fazer análise.  Ele começou a se interessar pela psicanálise em 1933, após completar a sua formação como psicanalista, foi eleito para o instituto de psicanálise de Viena.

Também em 1933 emigrou para os Estados Unidos onde iniciou a prática da psicanálise infantil em Boston, associando-se à faculdade de medicina de Harvard.  Lecionou ainda nas universidades de Berkeley e Yale. Viveu nas reservas dos índios Sioux e as suas experiências pessoais em antropologia, muito citada em suas obras, deram-lhe uma forte perspectiva social e um sentimento de desenraizamento.

Em 1936 Erikson transferiu-se para um centro de estudos de relações humanas a fim de pesquisar sobre a influência da cultura e da sociedade no desenvolvimento infantil. Como resultado dessa pesquisa formulou a teoria segundo a qual as sociedades criam mecanismos institucionais que propiciam e enquadram o desenvolvimento da personalidade. Na década de 1940, Erikson criou o modelo exposto na obra Infância e sociedade (1950). Publicou livros sobre Martinho Lutero, Gandhi e Hitler e escreveu ensaios em que relaciona a psicanálise com a história, política, filosofia e teologia.

Criador da expressão 'crise de identidade', as suas concepções revolucionaram a psicologia do desenvolvimento, continuando até os dias de hoje a incentivar estudos.  Erik Erikson morreu em 1994, aos 92 anos de idade.

Sua teoria é bem mais flexível que a freudiana, pois para ele a personalidade não é imutável, padrões estabelecidos na infância são o tempo todo submetidos às novas experiências. Erikson afirmou que: "Se tudo tem inicio na infância, então tudo é culpa de outra pessoa, e assumir a responsabilidade por si mesmo é algo que já sofreu prejuízo”. Assim, na teoria de Erikson o indivíduo passa a ser corresponsável pelo seu próprio desenvolvimento.

Considerando o primeiro psicanalista infantil norte-americano ele escreveu ensaios que relacionam a psicanálise com a filosofia, a história, a política e a teologia. Suas concepções revolucionaram a psicologia do desenvolvimento e até os dias de hoje ele motiva estudos e reflexões.


 DESENVOLVIMENTO HUMANO EM OITO ESTÁGIOS




Erik Erikson elaborou uma concepção de desenvolvimento que ocorre ao longo de toda a vida e é influenciado pelas características dos contextos sociais em que o indivíduo se encontra. O desenvolvimento é descrito em oito estágios psicossociais que vão do nascimento até a morte. Em cada um desses estágios há uma função que, em forma de conflito ou crise, assume uma vertente positiva e uma negativa. Esses estágios contribuem para a formação da personalidade e por isso, são importantes mesmo depois de atravessado.  Também não têm uma duração detarminada uma vez que cada pessoa tem um ritmo cronológico específico. O núcleo de cada estágio é uma crise básica, que pode ser originada nos estágios anterioses e ter consequência nos estágios posteriores.

Primeiro Estágio: Confiança x Desconfiança (0 a 1 ano)

O primeiro estágio, chamado de Confiança x Desconfiança, ocorre a partir do nascimento até o primeiro ano de vida da criança. Através da relação com a mãe, a criança adiquire ou não confiança em si mesma e no mundo que a cerca. Se a criança se sentir amada e protegida conseguirá amadurecer de forma equilibrada. Se a criança não tem suas necessidade básicas (físicas e emocionais) atendidas poderá se tornar insegura sentindo medo e desconfiança em suas relações. Para Erikson, a importância da confiança básica se deve ao fato de implicar a ideia de que a criança “não só aprendeu a confiar na uniformidade e na continuidade dos provedores externos, mas também em si próprio e na capacidade dos próprios órgãos para fazer frente aos seus impulsos e anseios” (1987, p.102).

Segundo Estágio: Autonomia x Vergonha (2 e 3 anos)

O segundo estágio, Autonomia x Vergonha, ocorre no segundo e no terceiro ano e corresponde à fase anal freudiana. Nele, a criança passa a ter controle sobre sua musculatura e sobre suas necessidades fisiológicas, o que lhe passa a conceder certa autonomia. Além do controle da musculatura a criança passa a explorar seu próprio meio, dar os primeiros passos, querer tocar e conhecer as coisas que a cerca. Esse desenvolvimento físico vem junto com o intelectual e a criança começa a aprender as regras sociais, o certo e o errado, o que se pode ou não fazer gerando um conflito entre sua vontade e as regras sociais. Para ensinas as regras sociais os pais se utilizam de duas ferramenas, a vergonha e o encorajamento. O estabelecimento de regras deve ser feito de forma equilibrada. Rabello (2007) expõe que:


"Neste estágio, o principal cuidado que os pais têm que tomar é dar o grau certo de autonomia à criança. Se é exigida demais, ela verá que não consegue da conta e sua auto-estima vai baixar. Se ela é pouco exigida, ela tem a sensação de abandono e de dúvida sobre suas capacidades. Se a criança é amparada ou protegida demais, ela vai se tornar frágil, insegura e envergonhada. Se ela for pouco amparada, ela se sentirá exigida além de suas capacidades. Vemos, portanto, que os pais têm que dar à criança a sensação de autonomia e, ao mesmo tempo, estar sempre por perto, prontos a auxiliá-la nos momentos em que a tarefa estiver além de suas capacidades." (RABELLO, 2007, p. 6).


Terceiro Estágio: Iniciativa x Culpa (4 e 5 anos)

O terceiro estágio, chamado Iniciativa x Culpa, acontece por volta do quarto e quinto ano e corresponde a fase fálica freudiana. Nesta fase a criança já consegue distinguir o que pode fazer e o que não pode fazer e tem a capacidade de planejar suas ações dentro dos parâmetros aprendidos durantes as fases anteriores (confiança, desconfiança, autonomia e culpa). Nesse período ela também percebe as diferenças sexuais entre homens e mulheres e o complexo de édipo se torna latente com a fixação na figura do seu progenitor do sexo oposto. Já cientes das regras sócias que condenam a relação idealizada, as crianças experimentam a sensação de culpa por seus sentimentos. A energia desse desejo é revestida pra outras atividades socialmente aceitáveis e a criança fazem amigos, participam de jogos e aprendem a ler e a escrever.

Quarto Estágio: Indústria x inferioridade (6 a 11 anos)

O quarto estágio, Indústria x inferioridade ocorre junto com a fase escolar, antes da adolescência, normalmente entre os seis e os onze anos. Nesta idade a criança já se sente capaz de produzir, mas esse grau de produtividade está fortemente relacionado à como a criança resolveu os conflitos nas fases anteriores. Para produzir é necessário que ela tenha adquirido a confiança da primeira fase, a autonomia da segunda fase, e a iniciativa da terceira fase. Com confiança, autonomia e iniciativa a criança em seu quarto estágio será capaz de produzir e sentir-se competente. É uma fase sensível e se o grau de exigência for alto e a criança sentir que não consegue corresponder, ela pode regredir à estágios anteriores de desenvolvimento estabelecendo-se um sentimento de inferioridade que pode levar, por exemplo, à  bloqueios cognitivos. Nessa fase a criança deverá sentir-se integrada na escola, uma vez que novos relacionamentos interpessoais se fazem importante na construção de sua identidade. Esta é a fase a qual Freud deu menos importância chamada de latência por considera-la um período de adormecimento sexual.

Quinto Estágio: Identidade x Confusão (12 a 18 anos)

O quinto estágio, Identidade x Confusão de identidade, marca o período da adolescência e ocorre normalmente entre os 12 até os 18 anos. Nesta fase surgem questões como “O que eu sou?” “O que me tornarei” “O que eu quero?” “O que meus pais esperam de mim?”.  É uma fase de conflitos e de mudanças, o indivíduo já não é criança mais ainda não é adulto, precisando lidar com transformações físicas e hormonais em seu corpo e ao mesmo tempo invadido por um turbilhão de novas emoções, como os primeiros amores. Para lidar com todas as mudanças o adolescente precisa da segurança construída por seu ego em todos os estágios anteriores. Nessa busca por sua identidade ele se depara com o conflito entre as expectativas dos seus pais e as suas próprias. Essa fase também é marcada por características como tendência grupal, para sentir-se pertencente a algo; crises religiosas, atos de rebeldia, luta por liberdade e constantes flutuações de humor. O  adolescente também se influencia facilmente pelas opiniões alheias, e nesta tentativa se encaixar ele passa a agir de forma inconstante e contraditória. É neste estágio que se adquire uma identidade psicossocial. Se as questões forem bem resolvidas o adolescente sai desta fase consciente de sua indiossincrasia e de seu papel no mundo.

Sexto Estágio: Intimidade x Isolamento (20 a 30 anos)

A questão central do sexto estágio, chamado de Intimidade x Isolamento, é a capacidade de conviver com outro ego. Nesta fase, que ocorre dos 20 aos 30 anos, a identidade já deverá ter sido estabelecida na adolescência e o individuo estará amadurecido para viver uma intimidade afetiva e sexual com outra pessoa, construindo uma relação profunda e duradoura. As uniões e casamentos surgem nesta fase. O indivíduo precisa ter construído um ego forte ao longe de todas as fases anteriores para conseguir se unir a outra pessoa sem se sentir ameaçado ou anulado. Quando o ego não é suficientemente seguro, no caso das crises anteriores não terem desfechos positivos, a pessoa irá preferir o isolamento à união, pois terá medo de compromissos, numa atitude de “preservar” seu ego frágil.

Sétimo Estágio: Generatividade x Estagnação (30 a 60 anos)

A sétima fase, Generatividade x Estagnação ocorre por volta dos 30 aos 60 anos e caracteriza-se pela capacidade de gerar, de produzir qualquer coisa, seja filhos ou negócios, ou pesquisas. O indivíduo sente que precisa dar sua contribuição ao mundo, gerar frutos, ensinar o que aprendeu para, dessa forma, deixar sua presença registrada. Segundo Erikson, as pessoas que são capazes de olharem para fora de si, para a família, terão a sensação de estarem contribuindo para as futuras gerações. Os indivíduos que não constituem família poderão sentir-se estagnados na meia idade. A vertente negativa leva o indivíduo à estagnação, a sua não produtividade, não contribuição para o mundo devido à centralização em si próprio.



Oitavo Estágio: integridade x Desespero (após os 60 anos)

Por fim, o oitavo estágio, chamado de Integridade x Desespero, ocorre a partir dos 60 anos. É nesta fase que o indivíduo faz uma reflexão sobre seu passado, um balanço de suas conquistas e fracassos. É o final do ciclo psicossocial que pode ter um desfecho positivo ou negativo. No caso positivo, o indivíduo sente-se em paz, por ter vivido bem sua vida, por ter produzido, por valorizar as coisas que gerou como a família, os amigos ou os negócios. No desfecho negativo o indivíduo vivencia um sentimento de desespero, cheio de arrependimentos e lamentações, lembrando-se dos erros com a sensação de tempo perdido e a impossibilidade de recomeçar.
Se a pessoa está satisfeita com a vida que teve ela aceitará a morte com integridade. Citando Erikson, a criança saudável não teme a vida, e o idoso saudável não teme a morte.  Para Rabello (2007).


"Agora é tempo do ser humano refletir, rever sua vida, o que fez, o que deixou de fazer. Pensa principalmente em termos de ordem e significado de suas realizações. Essa retrospectiva pode ser vivenciada de diferentes formas. A pessoa pode simplesmente entrar em desespero ao ver a morte se aproximando. Surge um sentimento de que o tempo acabou, que agora resta o fim de tudo, que nada mais pode fazer pela sociedade, pela família, por nada. São aquelas pessoas que vivem em eterna nostalgia e tristeza por sua velhice. A vivência também pode ser positiva. A pessoa sente a sensação de dever cumprido, experimenta o sentimento de dignidade e integridade, e divide sua experiência e sabedoria. Existe ainda o perigo do indivíduo se julgar o mais sábio, e impor suas opiniões em nome de sua idade e experiência." (RABELLO, 2007, p. 11).

terça-feira, 26 de abril de 2011

Jung: Inconsciente Coletivo e Arquétipos


Enquanto mergulhava em seu mundo interior, Jung descobria que seu inconsciente  não se limitava apenas aos conteúdos dos impulsos sexuais, pensamentos e experiências reprimidas. Jung começou perceber um outro fator que Freud havia deixado de lado: A história das civilizações.

Jung estudou culturas e religiões no mundo todo e concluiu que mesmo as mais distantes culturas tinham idéias e padrões de comportamento semelhantes. Para ele, essas evidências eram traços de que o inconsciente não era influenciado somente por experiências individuais mas por um componente da psique presentes em todas as pessoas desde o nascimento, um substrato desconhecido na mente humana que ele chamou de Inconsciente coletivo. Esse inconsciente coletivo seria uma dimensão na qual estaria todo o conteúdo resultante da experiência humana em todos os tempos.

Dessa forma Jung postula que a criança nasce com esse conhecimento herdado e o mesmo molda o desenvolvimento e interação com o ambiente. Esse componente da psique é igual em todas as pessoas de todos os lugares. Seus conteúdos, chamados de arquétipos podem ser traduzidos como formas sem conteúdo próprio “Eles se parecem um pouco com leitos de rio secos, cuja forma determina as características do rio, porém desde que a água começa a fluir por eles.” (BALLONB, GJ - Carl Gustav Jung, in. PsiqWeb, internet, disponível em http://www.psiqweb.med.br/, revisto em 2005)

 São formas que existem antecipadamente ao conteúdo. Para Jung os arquétipos, junto com o ambiente externo e suas exigências formam o inconsciente pessoal, (e não apenas a pulsão sexual como postula a teoria freudiana). Os arquétipos são responsáveis ainda pelas imagens primordiais, que podem ser encontradas em sonhos e fantasias dos indivíduos, correspondendo, ainda, a temas mitológicos que reaparecem em contos e lendas populares de épocas e culturas diferentes.

domingo, 17 de abril de 2011

Carl Gustav Jung



Carl Gustav Jung nasceu em 26 de julho de 1875 em Kesswil na Suíça. Seu pai, Johann Paul Jung, pastor protestante, lhe deixou como herança uma fé que perdurou por toda sua vida. Sua mãe era uma dona de casa que o incentivou na leitura desde cedo.  Jung passou sua infância no Campo, em contato com a natureza. Sentia-se sozinho (sua irmã nasceu quando ela já tinha 9 anos) e acabou desenvolvendo uma tendência a sonhar e fantasiar, o que exerceu grande influência sobre seu trabalho. Como não tinha companhia, ele preenchia seu tempo com leituras sobre filosofia e teologia na biblioteca do seu pai.

Jung optou por estudar medicina porque nesta carreira ele teria chances de escolher seus interesses científicos, evoluí-los para fazer algo útil com seres humanos. Quando ingressou na Universidade de Basiléia para estudar medicina, Jung já possuía considerável conhecimento em filosofia devido ás suas leituras de infância. Tinha interesse por Kant e Goethe e posteriormente passou a se interessar pelas idéias de Nietzsche e Schopenhauer. Esses pensadores tiveram grande influencia sobre suas obras.

Seu interesse pela psiquiatria se deu no final no curso, quanto estava estudando para os exames finais e se deparou com um manual de psiquiatria. Até então ele não tinha pensado a respeito mas ao ler a introdução do livro que falava sobre a psicose, ele descreve que  sentiu seu coração “bater selvagemente” e viu que deveria se tornar um psiquiatra. Seus professores e amigos não compreenderam porque naquela época a psiquiatria não era “absolutamente nada”.  Jung viu na psiquiatria a oportunidade de unir interesses contrastantes, como medicina, ciências sociais, e filosofia.

Jung terminou os estudos em 1900, mesmo ano em que teve seu primeiro contato com a obra de Freud: A Interpretação dos Sonhos. No entanto, foi somente em 1904 que Jung passa a ter interesse especial pela teoria psicanalítica freudiana. Jung enviou a Freud seus trabalhos sobre a existência do inconsciente, que confirmavam-lhe os estudos. O interesse entre eles foi mútuo e eles passaram a se corresponder. Ao todo foram 359 cartas, publicadas posteriormente.


A AMIZADE DE JUNG E FREUD


                        Imagem: SECRETS" of Freud & Jung by Broadway Producer Ken Wydro.


O primeiro encontro pessoal aconteceu em 1907 quando Jung foi a Viena e eles tiveram a famosa conversa que durou treze horas ininterruptas, classificada muitos anos depois por Jung como “longa e profunda”. A partir desse encontro em Viena, que durou 15 dias, iniciou-se uma amizade que durou 7 anos,  durante a qual trocavam informações sobre seus sonhos, análises, confidências, discutiam casos clínicos num processo de intensa colaboração científica. Jung viu em Freud mais que um amigo e mentor, viu uma figura paterna já que seu pai havia falecido quando ele tinha apenas 20 anos.

Em 1909, Freud e Jung viajam juntos para proferir uma série de conferências em Massachusetts. Nessa época Freud referia-se a Jung como seu sucessor mas Jung já sentia as diferenças entre seu pensamento e o de Freud, no que dizia respeito a conceitos básicos como religião e sexualidade. Em 1912, por insistência de Freud, Jung tornou-se presidente da Sociedade Psicanalítica Internacional.

Com o tempo as diferenças foram se acentuando, Jung considerava Freud rígido em suas idéias enquanto ele questionava tudo. Ele adimitia as idéias de Freud de que as causas dos conflitos psíquicos tinham origem num trauma de natureza sexual, mas para ele impulsos sexuais não era o fator determinante do comportamento humano, existiam também outros fatores como a religião, a necessidade de aprovação e a sede de poder. Por sua vez, Freud não aceitava o interesse de Jung pelos fenômenos espirituais. O rompimento entre ambos foi inevitável e se deu em 1914.  

Após rompimento inicia-se um período de introspecção para Jung. Ele retirou-se em sua casa no lago, em Zurique numa crise interna que duraria 6 anos e resultaria em inúmeras descobertas. Durante esse período, Jung teve uma série de sonhos e visões que forneceriam material de trabalho para toda vida. Ele buscava o auto conhecimento através do estudo do seu inconsciente. Para isso, ele gravou seus pensamentos, analisou seus sonhos e fez inúmeros desenhos tentando expressar a parte mais profunda do seu inconsciente. Segundo ele próprio, "Os anos durante os quais me detive nessas imagens interiores constituíram a época mais importante da minha vida e neles todas as coisas essenciais se decidiram. (...) Toda a minha atividade ulterior consistiu em elaborar o que jorrava do inconsciente naqueles anos (...)".  Jung ia para a praia em fente sua casa e ficava brincando com as pedrinhase areias, afirmando “Eu não sei porque estou fazendo isso, mas nesse momento essa é a única coisa que alivia a ansiedade e a perturbação que sinto”. Jung tinha apenas 38 anos nessa época, embora estivesse passando por esse período de crise interior, ele  mas já era um psiquiatra de renome na Europa e na América.

Em 1917, Jung publicou o livro "A Psicologia do Inconsciente" com seus estudos sobre o inconsciente coletivo e em 1921, "Tipos Psicológicos" em que apresentou os conceitos de introversão e extroversão.  Com essas publicações Jung estabeleceu os alicerceis da psicologia analítica.

A polêmica em relação Jung ser um simpatizante do nazismo surgiu quando ele assumiu a presidência da Sociedade Internacional de Psiquiatria, em 1933, mesmo ano em que Hitler chegou ao poder. Para explicar seu ato Jung disse "Deveria eu, na atitude de neutro prudente retirar-me para a segurança do lado de cá da fronteira e lavar as mãos em inocência, ou deveria segundo estava bem consciente arriscar minha pele e expor-me a inevitáveis mal-entendidos, aos quais não poderia escapar todo aquele que, por força de premente necessidade, tivesse de entrar em contato com os poderes políticos existentes na Alemanha?"

Enquanto Jung tornava-se uma das figuras mais importantes da psiquiatria, Freud foi expulso de Viena, aos 80 anos, doente. Seus livros foram queimados publicamente pelos nazistas e suas irmãs morreram nos campos de concentração de Auschwitz. Para Silveira, 1981 a polêmica de Jung com o nazismo nasce justamente dessa dicotomia entre as fases dele e de Freud. Ela coloca que “As acusações sobre Jung, como resultantes de um mal-entendido, teriam sido logo liquidadas de modo definitivo, face a tantas documentações e testemunhos logicamente irrefutáveis. Entretanto, a persistência desses rumores bem indica que por trás deles podem fermentar ainda as divergências entre Jung e o grande judeu Freud, nunca perdoadas pelos discípulos do mestre ortodoxo”. (SILVEIRA, 1981)

Jung passou seus últimos anos em sua casa Zurique, rodeado de familiares, escrevendo e levando uma vida simples. Faleceu em 1961 aos 85 anos de idade mas seu pensamento se perpetuou significativamente.  A geração flower Power e os hippies seguiam as idéias de Jung e usava seus termos como “Era de Aquarios” e “Nova Era”, Jung foi revolucionário a falar cientificamente sobre espiritualidade e sentido da vida, um homem a frente do seu tempo e  deixou como legado novas formas de pensamentos que foram permanentemente incorporados a nossa cultura.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Nietzsche e a construção do conhecimento



Na obra a Gaia Ciência, Nietzsche critica a construção do conhecimento segundo uma interpretação moral do mundo a partir da racionalidade filosófica ocidental (Descartes, Romantismo e Espinosa). Para Nietzsche o conhecimento não passa de uma interpretação dos sentidos e, portanto, passível da interferência de valores individuais, sem jamais ser explicação da realidade, gerando dogmatismos. Percebemos que a crítica central é dirigida ao conceito, que se coloca verdade, como representação objetiva da experiência do mundo. A crítica epistemológica de Nietzsche é uma crítica ao processo de generalização.

A morte do espírito é o preço do progresso. Nietzsche revelou este mistério do apocalipse ocidental quando anunciou que Deus estava morto e que fora assassinado. Esse assassinato gnóstico é cometido constantemente pelos homens que sacrificam Deus em nome da civilização. Quanto mais fervorosamente todas as energias humanas são empenhadas no grande empreendimento da salvação através da ação imanente no mundo, mais distantes da vida do espírito se colocam os seres  humanos engajados na empresa. E, uma vez que a vida do espírito é a fonte da ordem no homem e na sociedade, o próprio êxito da civilização gnóstica é a causa de seu declínio (VOEGELIN, E. A nova ciência da política. Brasília: UnB, 1979.

Nietzsche objetivava uma mudança na construção do conhecimento, saindo de um conhecimento puramente ideal, dogmático e intrinsecamente ligado a sombra da morte de Deus para um conhecimento que naturalizasse os seres humanos, a mudança do ser ôntico para o ser psicológico. Assim ele propõe o método da genealogia que consiste em destacar diferentes processos da instituição de um texto mostrando as lacunas, o que não foi dito.  Este novo método proposto por Nietzsche é a responsável pela maior mudança epistemológica nas ciências humanas do Século XX e ainda dentro das artes

Como Referir:
ROCHA, Raquel. Descartes: Nietzsche e a construção do conhecimento. Disponível em: < http://soliloquiospsicanaliticos.blogspot.com > Acesso em: __/__/____

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Descartes: Mente e Corpo



O filósofo francês René Descartes (1596-1659) estabelece a separação do homem entre a mente e o corpo, afirmando que o corpo possui uma substância material e uma substância pensante. Essa separação possibilita o estudo do corpo humano morto que até então era considerado sagrado por ser a sede da alma. Esse estudo contribui para a anatomia, a fisiologia e a própria psicologia.

Fisiologista e matemático, ele é considerado o pai da filosofia moderna. Preocupado com o problema do conhecimento, Descarte busca uma verdade indubitável. Para isso, converte a dúvida em método e começa a duvidar de tudo. O ponto de partida para sua busca foi a conclusão “Penso, Logo existo” (Cogito, ergo sum). Seu racionalismo prioriza o sujeito e não o objeto.

Descartes defendia que a mente e o corpo eram duas substâncias distintas. A mente era uma substância pensante e o corpo era uma substância extensa. Os órgãos dos sentidos, que se localizam no corpo, provocavam experiências sensoriais na mente e os as decisões da mente comandavam o comportamento do corpo.  Essas duas substâncias distintas interagiriam na glândula pineal que era considerada por Descartes como a sede da alma. Ao postular a separação entre mente (alma, espírito) e corpo, Descarte afirma que o segundo sem o primeiro é apenas uma máquina. É esse dualismo mente-corpo torna que possibilita o estudo do corpo humano morto.

Como Referir:
ROCHA, Raquel. Descartes: Mente e Corpo. Disponível em: < http://soliloquiospsicanaliticos.blogspot.com > Acesso em: __/__/____

terça-feira, 12 de abril de 2011

Qualis, ou a revista tem, ou não tem.


"Qualis é o conjunto de procedimentos utilizados pela Capes para estratificação da qualidade da produção intelectual dos programas de pós-graduação. Tal processo foi concebido para atender as necessidades específicas do sistema de avaliação e é baseado nas informações fornecidas por meio do aplicativo Coleta de Dados. Como resultado, disponibiliza uma lista com a classificação dos veículos utilizados pelos programas de pós-graduação para a divulgação da sua produção." (Fonte Portal Ministério da Educação)

Resumindo, NÃO BASTA SER REVISTA, TEM QUE TER QUALIS!

Pra ver se sua revista tem Qualis acesse: http://qualis.capes.gov.br/webqualis/

segunda-feira, 11 de abril de 2011

O Mito das Cavernas


O mito das Cavernas é uma parábola da obra A República escrita por Platão. Ela conta a história de pessoas que vivem dentro de uma caverna subterrânea desde que nasceram. Estas pessoas estão aprisionadas, com suas pernas e seus pescoços acorrentados de modo que são forçados a ficarem sempre na mesma posição, de costas para a entrada da caverna e olhando para a parede do fundo sem poder nem mesmo girar a cabeça.
Atrás dessas pessoas existe um muro alto e ao longo do mesmo, homens transportam estatuetas, com figuras de seres humanos, animais e outras coisas. Atrás dessas pessoas que transportam as figuras existe uma imensa fogueira cuja luz projeta na parece da caverna (para a qual os prisioneiros estão virados) sombras distorcidas. Como estas pessoas nunca viram as imagens reais elas acreditam que as sombras que vêem são tudo o que existe.
Imaginemos que um desses prisioneiros, tomado pela curiosidade, se liberte. Ao virar-se para a entrada da caverna de onde ele fica totalmente cego pela luminosidade. Aos poucos se acostuma com a luz e começa ver o mundo. Primeiro vê os homens transportando as estatuetas e ao sair da caverna ele enxerga todas as coisas, percebendo que durante toda a sua vida vira apenas as sombras das imagens.
Feliz com a liberdade e por conhecer a própria realidade o homem decide retornar a caverna para contar aos outros o que descobriu e libertá-los também. Já habituado com a luz, o homem tem dificuldades em caminhar de volta pela escuridão e quando volta ao seu grupo não é mais o mesmo, é um ser diferente. O homem conta a todos aos habitantes da caverna o que descobriu, no entanto ninguém acredita nele. As pessoas apontam para as paredes da caverna e afirmam que aquilo que vêem é tudo o que existe. Zombam dele e o matam.
Esta caverna é o próprio mundo em que vivemos, as sombras representa a forma distorcia como nós vemos e sentimos as coisas (sem muita clareza). O prisioneiro é o filósofo, alguém que se liberta do mundo das sombras, descobre a luz, a verdade e passa a ver as coisas como elas realmente são.
Este prisioneiro volta a caverna porque o filósofo anseia que todas as pessoas conheçam a verdade. A morte do prisioneiro é possivelmente uma referência a Sócrates, filósofo do qual Platão foi discípulo e que foi condenado a morte pela assembléia ateniense (habitantes da caverna) por querer mostrar o verdadeiro caminho do conhecimento.

REFERÊNCIAS

ELIADE, M. Aspectos do Mito. Rio de Janeiro: Perspectivas do homem/Edições 70, 1963.

GAARDER, Jostein O Mundo de Sofia, 1991

Parmênides e Heráclito


Dialética entre Parmênides e Heráclito.


Parmênides (c. 540-480 a.C.), assim como outros filósofos gregos, acreditava que tudo o que existe sempre existiu, que nada pode surgir do nada.  No entanto, Parmênides foi mais longe do que a maioria dos outros, pois ele considerava totalmente impossível qualquer transformação das coisas, afirmando que nada pode se transformar em algo diferente do que é.  Mesmos percebendo as constantes transformações que ocorrem na natureza Parâmedes não conseguia adapta-las ao que sua razão lhe dizia. Entre confiar nos sentidos ou na razão, ele decidia-se pela razão. Cético ao ponto de duvidar daquilo que ele mesmo via, ele dizia que os sentidos nos fornecem uma visão distorcida do mundo; uma visão que não está em desacordo com o que nos diz a razão e por isso era necessário desvendar todas as formas de “ilusão dos sentidos”. Parmênides também é responsável por uma das maiores posições metafísicas radicais da história do pensamento filosófico ocidental: a primeira grande formulação do princípio de não-contradição, afirmando a impossibilidade de os contraditórios coexistirem simultaneamente.

Na mesma época de Parmênides viveu Heráclito (c. 540-480 a.C.) de Éfeso, na Ásia Menor. Para ele, as constantes transformações constituíam a característica mais fundamental da natureza. Heráclito confiava no que os sentidos lhe diziam afirmava que  “Tudo flui” e por esta razão, “não podemos entrar duas vezes no mesmo rio”. Isto porque quando entro pela segunda vez no rio, tanto eu quanto ele já estamos mudados. Heráclito expõe que o mundo está impregnado por constantes opostos, e esta oposição é o que nos fazia sentir e perceber todas as coisas. Assim tanto o bem quanto o mal são necessários ao todo e sem a constante interação dos opostos o mundo deixaria de existir. “Deus é dia e noite, inverno e verão, guerra e paz, satisfação e fome”, dizia ele. Ele empregava a palavra “Deus”, como algo que abrange o mundo inteiro, se manifestando na natureza, em constante transformação e crivada de opostos.

Parmênides e Heráclito pensavam de maneiras totalmente opostas no que diz respeito aos princípios lógicos que sustentam suas concepções acerca da origem, transformação e o desaparecimento de todos os seres. Parmênides via o mundo com os olhos da razão enquanto Heráclito confiava nos seus sentidos. Parmênides deixava claro que nada pode mudar enquanto Heráclito afirmava que a natureza está em constante transformação. Ambos filósofos consideravam que havia apenas um elemento básico na natureza, assim Parmênides tinha razão quando dizia que um coisa não pode se transformar em outra e Heráclito estava certo quando confiava em seus sentidos observando as transformações da natureza
.
A divergência entre Heráclito e Parmênides pode ser harmonizada conceito do filósofo francês Henri Bérgson[1] que evidencia a verdade em ambas as teorias: “Tudo muda sobre um fundo de permanência”. Esta seria uma unidade conciliadora para as verdades parciais de Parmênides e de Heráclito.


[1] HENRI BERGSON (1859-1941) é um marco na filosofia moderna: substituindo pela visão biológica a visão materializante da ciência e da metafísica, ele representa o fim da era cartesiana. Exprime, em nível filosófico, um novo paradigma baseado na consciência, adquirido pela cultura de seu tempo, das conexões entre a vida orgânica e a vida social e psíquica. Chamando a sua metafísica de "positiva", ele dá a essa. (Fonte: Uol Educação)

domingo, 10 de abril de 2011

Mitos na Psicanálise

"Não será verdade que cada ciência, no final das contas,
se reduz a um certo tipo de Mitologia?" (Sigmund Freud)

Morfeu e Íris (1811), de Pierre-Narcisse Guérin


Um mito é uma narrativa tradicional que  procura explicar; através de deuses, semi-deuses e herois; os principais acontecimentos da vida como os fenômenos naturais, as origens do mundo e do homem. Além disso, o mito evidencia através de símbolos o modo como uma sociedade entende sua existência, constituindo-se assim uma realidade antropológia fundamental. O mito foi primeira tentativa de explicar essa realidade.


Foi Freud quem ressignificou o conceito de mito, acrescentando que mais do quê uma narrativa antiga (e fantasiosas) de situações históricas e culturais, o  mito seria também uma expressão simbólica dos sentimentos e atitudes inconscientes de uma sociedade. Ele utilizou da mitologia grega, para exemplificar suas teorias, inicialmente com Morfeu (para explicar os sonhos), com o mito do Édipo Rei (para explicar a tendência da criança a fixar a sua atenção libidinosa nas pessoas do sexo oposto no ambiente familiar), o mito do herói (o pai que se instaura como lei que proibia o incesto com a mãe), e o mito de Narciso (para explicar imagem exacerbada que os homens possuem de si mesmos).

Morfeu é o deus grego dos sonhos com habilidade de assumir qualquer forma humana e aparecer nos sonhos das pessoas.  Morfeu foi utilizado para explicar os sonhos que até então eram vistos como fenômenos que revelavam o futuro para os leigos e simples produto da atividade fiosiológica mental para os cientistas. Freud sistematizou o estudo dos sonhos em sua obra “A Interpretação dos Sonhos” (1900). A mesma, acaba por marcar o nascimento da psicanálise uma vez que delimitou o objeto da psicanálise: as idéias inconscientes. Neste processo os conteúdos mentais que foram reprimidos (excluídos da consciência) vêm à tona, mascarados, mas ao mesmo tempo carregados de significados.

Freud não descobriu o inconsciente pois antes desta obra, a idéia de dois estados mentais já era aceita. No entanto entendia-se que só quem possuía este lado inacessível da mente eram pessoas doentes e frágeis mentalmente (a exemplo das mulheres histéricas). As pessoas normais viveriam em estado de plena consciência. Freud mudou este paradigma demonstrando que os sonhos são manifestações do inconsciente e se todos sonham, logo, todos têm inconsciente.

Freud descreveu a ampla aplicação de simbolismo nos sonhos, principalmente para a representação do material sexual, fazendo uma analogia entre os símbolos oníricos e sinais da taquigrafia.  Ele percebeu também que tal simbolismo não está incutido exclusivamente nos sonhos (manifestações do inconsciente), mas também é identificado nas representações populares, como o folclore, os mitos, provérbios, chistes, etc. A interpretação dos sonhos provoca uma ruptura  radical na abordagem antropológica pois até então a filosofia, a psicologia, todas as ciências tinham se preocupado com o homem em seu aspecto consciente.  Segundo o próprio Freud, o conceito de inconsciente e a conclusão de que o homem não é senhor de seu próprio ser, em toda a sua subjetividade tem importância equivalente às rupturas causadas pelas descobertas de Copérnico de que a terra não é o centro do universo e da teoria evolucionista de Darwin.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Filme: Freud Além da Alma

Quem quiser conhecer um pouco mais sobre o nascimento da Psicanálise deve assistir “Freud, Além da Alma”.  O filme narra os acontecimentos mais importantes (e sombrios) da vida de Freud num período de 5 anos (1885 a 1890): “Esta é a história da entrada de Freud numa região tão escura quanto o próprio inferno: o inconsciente humano”

O filme é antigo (1962) mas é possível encontra-lo em muitas locadoras. Acredito que nada substitui sentar na frente de uma tela (cinema ou tv) num lugar escuro e saborear um filme do início ao fim sem interrupções, sem pensar em qualquer outra coisa que não a narrativa. Mas se não for possível este ritual sagrado cinematográfico, segue o link da primeira parte do filme. No youtube é possível encontrar todas as outras.
Ficha Técnica

Título Original: FREUD: THE SECRET PASSION
Ano: 1962, E.U.A
Duração: 139 min,
Legendado - Preto e Branco
Diretor: John Huston



quinta-feira, 7 de abril de 2011

Uma Breve Descrição da Psicanálise

“UMA BREVE DESCRIÇÃO DA PSICANÁLISE”
RESUMO

Freud, Sigmund. Uma breve descrição da psicanálise (1924 [1923]) in: Freud, Sigmund. O ego e o Id e outros trabalhos, (1923-1925) in Obras completas de Sigmund Freud (23 v.), V.19. RJ, Imago, 1996

O presente resumo objetiva fazer uma abordagem dos pontos principais do texto escrito por em 1923 e1924, intitulado “Uma breve descrição da psicanálise”. Nesta obra em que Freud encontramos um relato sobre a etiologia da psicanálise, o marco de seu nascimento e os fatores necessários para o mesmo como as experiências de Jean Sartre Charcot, Pierre Janet e Josef Breur.
            Freud discorre também sobre a resistência e hostilidade que a psicanálise encontrou desde o seu surgimento por ir de encontro a conceitos enraizados e por ferir crenças em pontos sensíveis da sociedade “civilizada”. O texto ainda contempla a mudança no método de tratamento, da hipnose para a associação livre (que afinal de contas não seria tão livre assim) abordando também os motivos pelos quais essa transformação se deu.
           

            Pensando a psicanálise

            Para Sigmund Freud é possível afirmar que a psicanálise nasceu com o século XX a partir da publicação da obra que teve alcance mundial: A Interpretação de Sonhos, em 1900. Ele reconhece, no entanto, que essa obra só foi possível porque foi precedida por ideias antigas surgidas com objetivo específico de entender as chamadas doenças nervosas funcionais. Até então os médicos não sabiam o que fazer com o fator psíquico e como não podiam entendê-lo, deixavam-no aos filósofos, aos místicos e aos charlatões considerando-o não científico.
Freud relata que em 1885, quando estudava na Salpêtrière, havia pessoas diziam que as paralisias eram fundadas em ligeiros distúrbios funcionais das partes correspondentes do cérebro. A incompreensão do fenômeno levava à prática de tratamentos inadequadas como prescrição de remédios e aplicação de influências mentais por meio de ameaças, zombarias e advertências. Freud refere-se a esses tratamentos como métodos fantasiosos usados em uma ciência que afirmava ser exata.
A transformação desse quadro de pensamento restrito ocorre na década de 1880, quando os fenômenos do hipnotismo fazem mais uma tentativa de ingressar na ciência médica. Dessa vez, graças ao trabalho de Liébeault, Bernheim, Heidenhain e Forel foi possível demonstrar que mudanças somáticas podiam ser ocasionadas unicamente por influências mentais ocasionadas pelo próprio indivíduo e também que a existência de determinados processos mentais só poderiam ser descritos como inconscientes. O hipnotismo tornava concreto e sujeito à experimentação o que antes estivera em discussão no campo teórico entre os filósofos.

A hipnose

Freud destaca a importância do papel desempenhado pelo hipnotismo na origem da psicanálise, tanto na teoria quanto na prática. A hipnose também foi um auxílio valioso no estudo das neuroses. Os experimentos do medico parisiense Jean Sartre Charcot foram impactantes, pois ele demonstrou que, pela sugestão de um trauma sob hipnose era possível provocar artificialmente os mesmos sintomas. Assim surge a idéias de que as influências traumáticas poderiam originar os sintomas histéricos.

Josef Breuer e a Histeria

Apesar dos avanços nas descobertas, Charcot não fez outros esforços no sentido de uma compreensão psicológica da histeria. Foi seu aluno, Pierre Janet quem demonstrou, com o auxílio da hipnose, que os sintomas da histeria eram firmemente dependentes de certos pensamentos inconscientes. No entanto, o nascimento da psicanálise não se baseou nas pesquisas de Janet, mas sim na experiência de um médico vienense, o Dr. Josef Breuer. 
Em 1881, através da hipnose, Breuer estudou e restituiu à saúde de uma jovem que sofria de histeria. A jovem era Bertha Pappenheim que ficara doente enquanto cuidava de seu pai e Breuer identificou que seus sintomas estavam relacionados a esse período. Foi assim que, pela primeira vez demonstrou-se que os sintomas da neurose tinham significado na vida emocional, tomando lugar de ações não efetuadas. Para explicar surgimento dos sintomas histéricos duas abordagens foram estabelecidas e ainda hoje são consideradas: a relação com a vida emocional do indivíduo e a ação recíproca de forças. As causas dos sintomas e todos os impulsos mentais que delas se originavam estavam perdidos para a memória da paciente, como se jamais houvessem acontecido. Apenas os sintomas persistiam inalterados e aí residia a prova da existência de processos mentais inconscientes.
Freud no começo da década de 1890 confirmou os resultados de Breuer em outros pacientes e, juntos, publicaram “Estudos sobre Histeria” (1895) com os referidos resultados e tentativas de formulação de uma teoria a partir dos mesmos.  Esta teoria apregoava que os sintomas histéricos surgiam quando um afeto era desviado de sua manifestação normal. A cura ocorria quando a experiência era revivida sob hipnose e ao se dar outra direção ao afeto o indivíduo se via livre dele. Esse procedimento foi denominado método catártico e foi o precursor imediato da psicanálise.

            Rompimento entre Freud e Breuer

A associação entre Breuer e Freud terminou logo após a publicação de “Estudos sobre a Histeria”. Freud introduziu novidades técnicas e as descobertas que efetuou transformaram o método catártico em psicanálise, esta praticada sem a hipnose. O abandono da hipnose ocorreu por duas razões: em primeiro lugar porque Freud não conseguia induzir a hipnose em um número suficiente de casos, e, em segundo, porque estava insatisfeito com os resultados terapêuticos da catarse obtida com a hipnose.
O método da associação livre foi desenvolvido por Freud como substituto da hipnose. Neste método os pacientes assumiam o compromisso de se abandonarem em um estado de tranqüila concentração, para verbalizar as idéias que espontaneamente lhe ocorressem. Essas idéias pareceriam ser determinadas pelo material inconsciente e embora não fossem o material esquecido, faziam alusão aos mesmos e eram passíveis de interpretação.
A resistência dos pacientes em comunicar as idéias que lhe ocorriam levou a uma das pedras angulares da teoria psicanalítica das neuroses — a teoria da repressão. A informação traumática, através da influência de outras forças mentais tinha-se defrontado com uma repressão que a barrara ao inconsciente e é em consequência dessa repressão que se manifestava por caminhos fora do comum, tais como os sintomas. Essa repressão era feita pelo consciente por motivos morais, estéticos e éticos, para encobrir impulsos de egoísmo, crueldade e acima de tudo impulsos desejosos sexuais. Esse processo evidenciou ainda mais a enorme influência dos impulsos sexuais na vida mental e levou a um estudo pormenorizado da natureza e desenvolvimento do instinto sexual trazendo a discussão algo negligenciado pela ciência: a sexualidade infantil.

E nasce a Psicanálise

Freud enumerou os fatores que contribuem para a constituição dessa teoria psicanalítica: ênfase na vida afetiva, na dinâmica mental, no fato de que mesmo os fenômenos mentais aparentemente mais obscuros e arbitrários possuem invariavelmente um significado e uma causa, a teoria do conflito psíquico e da natureza patogênica da repressão, a visão de que os sintomas constituem satisfações substitutas, o reconhecimento da importância etiológica da vida sexual, e especificamente, dos primórdios da sexualidade infantil. Freud acrescentou ainda a complicada relação emocional das crianças com os pais, definida por ele como Complexo de Édipo, considerando-o o núcleo de todo caso de neurose. Foi devido a esses fatores que a psicanálise provocou repugnância e ceticismo em estranhos.
            Surge uma premissa: se as condições postuladas pela psicanálise realmente existissem, elas deveriam ser capazes de encontrar expressão noutros fenômenos, além dos histéricos. Destarte a psicanálise teria cessado de ter interesse apenas para os neurologistas e passaria a ter atenção de todos para quem a pesquisa psicológica tivesse alguma importância. Surgiu assim provas de sua utilidade sobre outras atividades mentais como as parapraxias (esquecer coisas, lapsos de língua e colocação errada de objetos) e os sonhos. Ambos fenômenos comuns á pessoas normais e nunca antes explicados por nenhuma teoria.
A frequência de parapraxias facilitou o convencimento das pessoas sobre o fenômeno. A análise dos sonhos com a obra A Interpretação de Sonhos, demonstrava serem os sonhos construídos exatamente da mesma maneira que os sintomas neuróticos, sendo manifestações de impulsos desejosos que se apresenta como realizado no sonho. Essas manifestações são deformadas pelas forças censurantes e restritivas. A partir da data de “A Interpretação de Sonhos”, a psicanálise passou a constitui não apenas um novo método de tratar as neuroses, mas também uma nova psicologia.
            Apesar de todas as evidências apresentadas os trabalhos e Freud não receberam muita atenção até 1907 quando um grupo de psiquiatras suíços (Bleuler e Jung, em Zurique) atraiu a atenção para a psicanálise. A rejeição permanecia, mas sem conseguir impedir a psicanálise de uma expansão contínua durante a década seguinte em novos países (principalmente nos Estados Unidos) e encontrando aplicações em novos ramos do conhecimento.  Nesse período também os primeiro periódicos dedicados exclusivamente à psicanálise foram fundados.
Uma diferença essencial entre essa segunda década da psicanálise e a primeira reside no fato de que Freud não constituía mais seu único representante. Um círculo de adeptos se dedicou à difusão e aprofundamento das teorias psicanalíticas surgindo, deste modo, algumas oposições. Entre 1911 e 1913, C. G. Jung, em Zurique, e Alfred Adler, em Viena, produziram determinada agitação por suas tentativas de dar novas interpretações aos fatos da análise e por seus esforços para um desvio do ponto de vista analítico.
A ruidosa rejeição da psicanálise pelo mundo médico não podia impedir seus defensores de desenvolvê-la. Seu inegável sucesso terapêutico, que excedia em muito qualquer outro que houvesse sido anteriormente conseguido, incentivaram-nos constantemente a novos esforços, ao passo que as dificuldades reveladas à medida que o material era examinado mais profundamente redundaram em alterações profundas na técnica da análise e correções importantes em sua teoria. A fundação de uma primeira clínica psicanalítica para pacientes externos (por Max Eitingon, em Berlim, em 1920) tornou-se, portanto, um passo de grande importância prática. O intento era buscar, por um lado, tornar o tratamento analítico acessível a amplos círculos da população e, por outro, empreende a instrução de médicos para serem analistas clínicos através de um curso de formação incluindo como condição que aquele que aprende concorde em ser ele próprio analisado.
Entre os conceitos hipotéticos que capacitem o médico a lidar com o material analítico, o primeiro a ser mencionado é o da ‘libido’, no sentido da força dos instintos sexuais dirigidos para um objeto. Um estudo demonstrou que era necessário colocar ao lado dessa ‘libido objetal’ uma ‘libido narcísica’ ou ‘do ego’, dirigida para o próprio ego do indivíduo, e a interação dessas duas forças nos capacitou a explicar grande número de processos normais e anormais na vida mental.  A visão psicanalítica também teria de incluir nos distúrbios narcísicos todas as moléstias descritas em psiquiatria como ‘psicoses funcionais’. Não se poderia duvidar de que as neuroses e psicoses não estão separadas por uma linha rígida, mais do que o estão a saúde e a neurose, e era plausível explicar os misteriosos fenômenos psicóticos pelas descobertas a que se chegou nas neuroses, que até então haviam sido igualmente incompreensíveis. A psiquiatria tornou-se assim o primeiro campo a que a psicanálise foi aplicada e desse modo permaneceu desde então.
Se as descobertas psicológicas obtidas dos sonhos fossem firmemente lembradas, só outro passo era necessário antes que a psicanálise pudesse ser proclamada como a teoria dos processos mentais mais profundos não diretamente acessíveis à consciência e assim pudesse ser aplicada a quase todas as ciências mentais. Esse passo residia na transição da atividade mental de homens individuais para as funções psíquicas de comunidades humanas e povos, isto é, da psicologia individual para a de grupo. Algumas considerações levavam a isso como, por exemplo, a descoberta de que nos estratos profundos da atividade mental inconsciente os contrários não se distinguem um do outro, mas são expressos pelo mesmo elemento. Esta relação pode ser identificada em algumas línguas mais antigas que se referiam aos contrários usando a mesma palavra.  Um outro ponto considerado foi a correspondência perfeita que pode ser descoberta entre as ações obsessivas de certos pacientes obsessivos e as observâncias religiosas dos crentes em todo o mundo. Certos casos de neurose obsessiva na realidade se comportam como uma caricatura de uma religião particular. Assim a psicanálise mais uma vez fere conceitos enraizados e causa hostilidade.
Sendo possível estabelecer que os aspectos mais gerais da vida mental inconsciente estão presentes em toda parte, e se há uma psicologia profunda que conduz a um conhecimento desses aspectos, podemos então esperar que a aplicação da psicanálise às mais variadas esferas da atividade mental humana. Em um estudo excepcionalmente valioso, Otto Rank e Hanns Sachs (1913) tentaram reunir o que o trabalho da psicanálise pôde conseguir até aquele momento no sentido do preenchimento dessas expectativas.
            Se deixarmos fora de cogitação impulsos internos pouco conhecidos, podemos dizer que a principal força motivadora no sentido do desenvolvimento cultural do homem foi a exigência externa real, que retirou dele a satisfação fácil de suas necessidades naturais e o expôs a perigos imensos. Essas necessidades naturais incluem impulsos instintivos impossíveis de ser socialmente satisfeitos. Com os avanços ulteriores da civilização cresceram também as exigências da repressão.
            Além dessa parte da atividade mental humana que é orientada no sentido de obter controle sobre o mundo externo real, a psicanálise mostra uma outra parte, particular e altamente prezada, do trabalho mental criativo serve para a realização de desejos Entre essas criações, cuja vinculação com um inconsciente incompreensível sempre foi suspeitada, estão os mitos e as obras da literatura imaginativa e da arte. A apreciação estética de obras de arte e a elucidação do dote artístico não estão, é verdade, entre as tarefas atribuídas à psicanálise. Mas parece que a psicanálise está em posição de enunciar a palavra decisiva em todas as questões que afloram a vida imaginativa do homem.
            A psicanálise nos demonstrou ainda, a importância do papel desempenhado pelo que é conhecido por ‘complexo de Édipo’ na vida mental dos seres humanos. Compreendemos o complexo de Édipo como correlativo psíquico de dois fatos biológicos fundamentais: o longo período de dependência da criança humana e a maneira notável pela qual sua vida sexual atinge um primeiro clímax do terceiro ao quinto ano de vida,e depois, passado um período de inibição, reinicia-se na puberdade.
          Freud finaliza seu texto prenunciando que a psicanálise ingressaria no desenvolvimento cultural das décadas seguintes, aprofundando os conhecimentos até então (1924) obtidos e ajudando a combater “algumas coisas da vida reconhecidas como prejudiciais”. Freud afirma ainda que a psicanálise não pode, sozinha, explicar todas as coisas, mas pode fazer importante contribuições para os mais diversos campos de conhecimento.