domingo, 15 de abril de 2012

Era só um telefonema


"Só vim telefonar" de Gabriel Garcia Marquez

Recentemente me deparei agradavelmente relendo, desta vez a pedido de uma disciplina do curso de psicanálise, o texto Só vim telefonar de Gabriel Garcia Márquez, um escritor que considero um dos maiores gênios da literatura ainda vivo (talvez um dos últimos).

Vou me ater aqui apenas a considerações no campo da saúde mental tendo em vista que não seria capaz de encontrar palavras que descrevessem a grandiosidade dos méritos literários desse escritor genial.

Só vim telefonar é uma das histórias de Doze Contos Peregrinos (1992). Um texto de narrativa cativante com toques de suspenses em que ele consegue expor claramente os traços do sistema manicomial opressor da década de 70 bem como as complicadas questões intrínsecas nas relações humanas.

Maria de la Luz Cervantes viajava sozinha indo ao encontro do marido quando seu carro sofre uma pane no deserto dos Monegros. Depois de várias tentativas desesperadas de pedidos de caronas aos carros que passavam ela finalmente conseguiu ajuda de um ônibus que transportava enfermas mentais. Maria então é deixada em um manicômio psiquiátrico e confundida com uma interna.

Uma vez rotulada como doente mental Maria perde sua autonomia enquanto sujeito e todo o seu discurso passa a ser sintoma de sua doença. Não pude evitar a associação com a Ilha do Medo de Scorcese quando Daniels  consegue fugir da instituição psiquiátrica e em seu “delírio” encontra outra fugitiva que se esconde em uma caverna. Ela diz que era médica e acabou sendo internada como louca após contestar as experiências ilegais que se faziam com os pacientes daquela instituição. Então ela afirma: “uma vez que te consideram louco, tudo o que você diz para negar isso passa a ser sintoma da sua loucura”.  É isso que acontece com Maria de la Luz, uma vez diagnosticada como doente mental todo o seu discurso passou a ser considerado fruto de sua insanidade.  Dessa forma sua explicação de como chegou alí repetindo “Só vim telefonar” passa a ser considerada uma “uma estranha obsessão por telefones”. Também suas tentativas de fugas e rompantes emocionais pela situação em que se encontrava são consideradas demonstrações/comprovações do estado grave de sua doença.

O destino de Maria é cerrado pela mistura infortúnia de um sistema manicomial ditador com um relacionamento fragilizado em que seu marido acreditava ter sido trocado por um caso amoroso passageiro,  avisando a  polícia que não precisavam procurar por ela.