segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

“Eu Receberia As Piores Notícias Dos Seus Lindos Lábios”


“Santa é a carne que peca”

Baseado no livro homônimo de Marçal Aquino “Eu Receberia As Piores Notícias Dos Seus Lindos Lábios” é tão intenso quanto a obra que o originou. O filme narra um triângulo amoroso no interior do Pará envolvendo um pastor (Zécarlos Machado), sua esposa (Camila Pitanga) e um fotógrafo (Gustavo Machado).

Lavinia, ex-prostituta e usuária de drogas foi encontrada pelo pastor Ernani nas ruas do Rio de Janeiro. Através da palavra de Deus, numa espécie de sessão de exorcismo, o pastor a resgata do mundo das drogas e da prostituição. Depois faz dela sua esposa. 

Eles se mudam para o interior do Pará, onde ele, além de pregar sua fé, também luta contra poderosas madeireiras. Nesse cenário belíssimo e perigoso Lavínia conhece o fotógrafo Cauby, com quem acaba se envolvendo e vive um romance arrebatador.

Lavínia se torna uma musa para Cauby que a fotografa obsessivamente. Ela é uma personagem dividida entre o olhar de Cauby e as palavras do marido, que ela não tem coragem de abandonar.

-Vamos embora comigo Lavínia, Vamos embora daqui.
-Não posso, não posso…
-Você não pode ou você não quer?
-Eu não posso, eu não quero.

Eles não podem ficar juntos mas também não conseguem se abandonar. A química entre os personagens é avassaladora, as cenas sensuais que ambos protagonizam não tem maquiagem, são cruas,  densas. Mas se entregar a esses dois amores é algo que a frágil e confusa Lavínia  não consegue aguentar, essa divisão parece fazê-la sangrar e perder suas forças.

Dirigido por Beto Brant e Renato Ciasca, Eu Receberia As Piores Notícias Dos Seus Lindos Lábiosnão é um filme convencional. A forma como a história é narrada chega a causar estranheza em alguns momentos. Um dos pontos fortes do filme é a atuações dos personagens, Zécarlos Machado, Gero Camilo, Gustavo Machado e Camila Pitanga. Esta, se desnuda de roupas, vaidades e estrelismo, para se entregar de corpo a alma a esse papel que ela classificou como o maior da sua vida.

O filme foi lançado em 2012 é  o sexto da parceria entre Beto Brant e Marçal Aquino, anteriormente outras adaptações haviam feitas, em  “Os Matadores” , “Ação Entre Amigos”, “O Invasor”, “Crime Delicado” e “Cão Sem Dono” (2007).  Nenhum deles um blockbuster, como Eu Receberia As Piores Notícias Dos Seus Lindos Lábios também não o é. Mas é um filme marcante para quem tem a oportunidade de assistir, uma história forte, com poucas palavras, cores saturadas e uma honestidade perturbadora.

 Classificação Indicativa: 16 anos



Trechos Livro

“Lembrei dos dias que passei sem ela. Dias em que encontrar, por acaso, um fio de seu cabelo preso na fronha do travesseiro bastava para me encher de angústia e dor. Estive a ponto de rastejar. Atire a primeira pedra aquele que não estremeceu ao recuperar, nos lençóis encardidos da cama em que dorme solitário, o cheiro da mulher ausente. 
—————–
“Falamos, falamos, falamos. E mesmo assim faltou dizer tanta coisa. E escutar também. Ela nunca disse que me amava. Jamais ouvi de seus lindos lábios a sentença que pronunciei algumas vezes.”
—————–
“O que acontece é que, quando estou com você, eu me perdôo por todas as lutas que a vida venceu por pontos, e me esqueço completamente que gente como eu, no fim, acaba saindo mais cedo de bares, de brigas e de amores para não pagar a conta. Isso eu poderia ter dito a ela. Mas não disse.


Gênero: Drama
Direção: Beto Brant, Renato Ciasca
Roteiro: Beto Brant, Marçal Aquino, Renato Ciasca
Elenco: Camila Pitanga, Gero Camilo, Gustavo Machado, Zecarlos Machado
Produção: Bianca Villar, Renato Ciasca
Duração: 100 min.
Ano: 2011
País: Brasil


Palavras Chaves: Resumo filme Crítica Resenha Comentário Opinião Citações Diálogos Quotes cinema Oscar Psicanálise

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Schindler's List - A história de um nazista que salvou judeus.




Por Raquel Rocha



O filme A Lista de Schindler foi baseado em uma história real, a princípio, transformada em livro. O aclamado diretor americano Steven Spielberg soube da história no ano de 1983 e convenceu a Universal Pictures a comprar os direitos autorais do livro.

Contudo, Spielberg julgava-se incapaz para dirigir uma história tão densa. Ele, então, convidou Roman Polanski - diretor de The Pianist, filme que também retrata o holocausto - Sydney Pollack e Martin Scorsese para  a direção de A Lista de Schindler. Todos os diretores geniais, no entanto não vejo como qualquer um deles poderia fazer um filme melhor do que o que Spielberg conseguiu.

Para rodar A Lista de Schindler, Spielberg precisou, por exigência da Universal Pictures, dirigir antes Jurassic Park. O filme A Lista de Schindler só ficou pronto 10 anos após a compra dos direitos do livro. O diretor declarou, posteriormente, que essa foi a melhor forma das coisas acontecerem porque ele não teria condições de filmar Jurassic Park após dirigir A Lista de Schindler, devido ao sensível estado emocional em que se encontrou ao final das gravações.

Para mim A Lista de Schindler é o melhor filme de Steven Spielberg e um dos melhores filmes de todos os tempos. Conta a história de um empresário alemão aliado ao regime nazista que salvou a vida de mais de mil judeus. O processo de transformação do personagem é lento e, durante as três horas de filme, o diretor Steven Spielberg mostra a humanização de Oskar Schindler com uma sutileza singular.

No início do filme, Oskar Schindler queria enriquecer abrindo uma fábrica de panelas e explorando a mão de obra barata dos judeus. Os judeus não recebiam salários, estes eram pagos a SS, mas naquela situação, para muitos judeus, trabalhar na fábrica de Oskar significava a diferença entre sobreviver ou morrer.

Schindler, ganancioso a princípio, queria fazer fortuna, ter muitas mulheres e promover festas extravagantes. Mas começa a sensibilizar-se em seu contato com os judeus e mesmo sem entender o porquê, passa a permitir velhos, doentes e até um aleijado em sua fábrica. Todos falam que o aparecimento de uma garotinha de casaco vermelho (no filme que é quase todo em preto e branco) é o momento da transformação de Schindler, mas, ao meu ver, Schindler está em transformação o tempo inteiro, em cada olhar, em cada palavra. Sempre alegando que determinadas pessoas são importante para sua fábrica, Schindler vai acolhendo pessoas que estão prestes a serem enviadas para a morte.

Numa das cenas ele impede que crianças sejam enviadas para o campo de concentração: “O que você está fazendo? Elas são minhas. Elas são minhas trabalhadoras. Elas são habilidosas produtoras de munição. Elas são essenciais. Meninas essenciais! [mostra para o guarda a mão da menina] Os dedos delas lustram o interior de granadas de metal. Como mais eu poderia polir o interior de uma granada de 45 milímetros. Me diga! Me diga!"

Perto do final da guerra, os nazistas enfurecidos mandam exterminar todos os judeus e é nesse momento que Schindler negocia com o oficial alemão a “compra” de alguns judeus. Ele começa a elaborar uma lista, pede que seu contador anote alguns nomes. Esse é o ponto alto do filme e uma das cenas mais belas do cinema, simplesmente um homem ditando nomes enquanto outro datilografa. E ele não consegue parar, prossegue com sua lista até que gasta toda sua fortuna  acumulada na compra dos judeus.  “This list... is an absolute good. The list is life. All around its margins lies the gulf.”  “Esta lista ... é um bem absoluto. A lista é a vida. Tudo ao redor de suas margens é o abismo.” diz seu contador Itzhak Stern. Para o expectador, cada nome colocado na lista é uma renovação de fé no ser humano.

There will be generations because of what you did.” 
"Haverá gerações por causa do que você fez. "
 Itzhak Stern

Rodado quase todo em preto e branco, o filme ganhou 7 Oscar (Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Fotografia (Janusz Kamiński), Melhor Direção de Arte, Melhor Edição e Melhor Trilha Sonora Original (John Williams). Vale destacar as atuações brilhantes de Liam Neeson como Oskar Schindler e Ben Kingsley como seu contador judeu Itzhak Stern, ambos indicados ao Oscar.  A lista de Schindler também foi eleito o oitavo melhor filme americano da história.


Segue abaixo uma das cenas finais do filme.  Assim como este texto, a cena não é um spoiler. É do conhecimento de todos que que A Lista de Schindler é uma lista que salva a vida de judeus. E mesmo que eu escrevesse 30 páginas sobre o filme e mostrasse 20 cenas dele, nem assim as pessoas teriam sequer uma ideia da beleza desta obra sem assisti-la.

"Whoever saves one life, saves the world entire."
“Aquele que salva uma vida, salva o mundo inteiro”


Título original: Schindler´s List
Direção: Steven Spielberg
Ano: 1993
Gênero: Drama / Guerra
Duração: 197 min / EUA: 194 min
País: Estados Unidos
Língua: Inglês / Hebraico / Alemão / Polonês
Cor: Preto & Branco / Colorido (DeLuxe)
Som: DTS / Dolby
Classificação: 14 anos



Palavras Chaves: Resumo filme Crítica Resenha Comentário Opinião Citações Diálogos Quotes cinema nazismo holocausto judeu psicanálise

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Haicai do Natal


"Despontam os verdes,
Os azuis virão. O bem
Afugenta o mal."

                        
                       Cyro de Mattos

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Quanta vida pode haver numa vida só?


A vida que você escolheu
Quanta vida pode haver numa vida só, já se perguntou alguma vez?
Você vive quando apenas abre os olhos e respira. Ou quando não perde aquela chance. Vive quando larga tudo e começa uma nova ideia; quando consegue começar de novo. Vive para ser maior; e indo mais longe, vive mais tempo, porque mais importante que chegar é a vontade de partir.
Você vive quando sai de casa sem blusa e vem o frio. Quando acha que vai chover, e faz calor. Vive quando desses pequenos enganos ainda tira um sorriso e o dá de presente. E, assim, fica mais cheio de motivos para viver. Você vive quando entende que vive melhor quando vive junto; e aí compartilha, divide, cuida.
Você vive quando conhece aquela pessoa e por ela cruza as ruas e os continentes. Vive quando nunca cruza os braços. Você vive quando um se torna dois e vocês viram três, e ficam cheios de uma vida totalmente nova.
Tem gente que vive só quando o sapato aperta; outros só quando os pés saem do chão. Tem gente que vive para mudar o mundo. E tem aquele que gostaria de mudar tudo só para não mudar nada e viver ali, quietinho. Vivemos quando redescobrimos o amor… o amor próprio; o amor ao próximo.
Tem gente que espera pela vida. Tem gente que vive correndo atrás dela. E tem aqueles que a criam em cada respiração, no suor e no sangue, nos sonhos que jamais deixam morrer. Você vive quando entende que viver é ser este movimento que nunca para. Porque afinal, no dia em que ele, enfim, parar, você já não precisa mais se preocupar com a vida.
Renato Cabral

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Resumo do texto “Cinco Lições de Psicanálise” de Sigmund Freud


Por Raquel Rocha

1- A primeira lição se refere a Histeria caracterizada pelo surgimento de sintomas sem que estes tenham nenhuma causa orgânica. Para elaborar a teoria sobre a Histeria Freud utilizou o estudo de caso da paciente Anna O. Para Freud:“Onde existe um sintoma, existe também urna amnésia, uma lacuna da memória, cujo preenchimento suprime as condições que conduzem à produção do sintoma.

2- Freud percebe que acontecimentos tidos como esquecidos na verdade não foram apagados, estavam “guardados” no inconsciente. E era esse material reprimido que dava origem aos sintomas. “E em lugar do breve conflito começa então um sofrimento interminável.” (Freud)

3- É a resistência que impede a passagem dos conteúdos inconscientes à consciência. Os sonhos são conteúdos inconscientes portanto uma forma de conhecimento dos mesmos. “A interpretação dos sonhos é na realidades a estrada real para o conhecimento do inconsciente” Freud

4-Nesta quarta lição Freud discorre sobre as perturbações causadas pelos impulsos sexuais. Faz apontamentos sobre a sexualidade infantil e o Complexo de Édipo quando a criança ver nos pais o primeiro objeto de desejo.

5- Para Freud o adoecimento do indivíduo ocorre quando ele não encontra uma forma de satisfação das necessidades sexuais. A doença é uma forma de fuga e satisfação substitutiva ao mesmo tempo.


segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Eu sei, mas não devia

Raramente publico aqui textos que não são de minha autoria, mas abro uma exceção para essa lição de vida.
Espero que vocês gostem tanto quanto eu gostei. 
Abraços







Marina Colasanti recitado por Antônio Abujamra


"Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.


A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.


A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.


A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.


A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagará mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.


A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes. A abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.

A gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias da água potável. 


A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.


A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma."

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

A velhinha e a menina

 A menina não gostava de ir à escola. Não é que ela não gostasse de estudar, ela não gostava era da escola mesmo. Ela odiava tudo, os colegas, os professores, as carteiras enfileiradas, as músicas bobas que a nova estagiária trazia, o barulho da sirene e, acima de tudo, o recreio. O recreio era tortura, aquele monte de crianças correndo eufóricas, gritando, grunhindo, brigando. Os meninos que teimavam em jogar pedras em uma lagartixa, as garotas que formavam grupinhos pra maltratarem as outras. A menina realmente odiava aquela multidão que surgia nos 20 minutos de intervalo, achava que as pessoas em grandes grupos se tornavam piores, capazes de fazer coisas que não fariam sozinhas.

A menina chorava pra não ir pra escola. Seus pais estavam desesperançosos, achava que a menina não levava jeito pros estudos, mas mesmo assim a obrigava a ir. Então ela ia, todos dias, com passos arrastados, querendo não chegar. Queria ser invisível, se curvava e usava um óculo maior que ela mesma. Na hora do recreio procurava o lugar mais isolado possível para comer seu lanche sozinha, ler um livro e pensar numa estratégia de fuga de volta para o planeta ao qual ela devia pertencer.

Um dia a menina viu outra também sozinha, sentada na ponta de uma das calçadas, viradas para as árvores, alheia a multidão do recreio. Ela reconheceu a velhinha que fazia a limpeza da escola. Estava sentada, sozinha, assim como ela era sozinha. A menina sentou ao lado da velha senhora sem dizer uma palavra, apenas abriu seu lanche e começou a comer. A velha senhora olhou pra menina e sorriu, e começou a falar, falar sobre tudo, suas dores nas costas, seu filho ingrato, seus netos, sua vida. E todos os dias a menina se sentou ao lado daquela velhinha. E já não era tão ruim ir a escola.

Contaram pra mãe da menina que ela passava o recreio inteiro sentada com a velhinha da limpeza. A mãe reclamou “Essa menina é esquisita mesmo, nunca vai mudar, não tem amigas!”

A mãe estava certa, ela era realmente esquisita. E não mudou. Ainda tem as mesmas teorias sobre as multidões, ainda odeia carteiras enfileiradas, músicas bobas e continua suspeitando ter vindo de outro planeta. Adora livros e conversar com velhinhas. Mas em uma coisa a mãe estava errada: aquela menina tinha uma grande amiga.  



sexta-feira, 16 de agosto de 2013

O Envelope Pardo


"Itabuna 100 Anos", de Raquel Rocha, foi um projeto bem-sucedido em  minha gestão como diretor-presidente da Fundação Itabunense de Cultura e Cidadania. Repercutiu de maneira favorável em nossa comunidade ao ser exibido no Centro de Cultura Adonias  Filho lotado, como parte das comemorações do Centenário da Cidade. A direção da cineasta Raquel Rocha e o conteúdo com depoimento de pessoas,  que nasceram aqui e vivenciaram a nossa história, fazem desse documentário uma fatura exemplar sobre a recuperação de um tempo perdido. A linguagem dos entrevistados que ecoa nesse tempo posto na imagem revela momentos significativos da memória grapiúna."     Cyro de Mattos   






Hoje de manhã tive uma grata surpresa ao ler essas palavras de Cyro de Mattos sobre o “Itabuna 100 anos” um filme de 2010. As palavras dele me fizeram relembrar o tempo em que eu terminei a faculdade e me vi preocupada diante da possibilidade de nunca mais voltar a filmar, uma vez afastada da UESC e de tudo o que ela nos possibilitava.

 Eu sabia exatamente o que queria fazer da vida mas também sabia o que não queria. Não queria ter que ligar pro vereador x nem pro secretário y, não queria pedir a interseção de nenhum padrinho influente. Sondei a iniciativa privada e percebi que, se me apoiassem, seria também pelo conhecimento e não por interesse real nos filmes. Foi aí que coloquei dentro de um envelope pardo meu documentário de conclusão de curso (Nos Trilhos do Tempo) e meu currículo, fui até a Fundação de Cultura da minha cidade e deixei lá na recepção, na esperança de que alguém por lá visse e algum dia lembrasse do meu nome.

E não é que alguém viu? O grande escritor Cyro de Mattos o qual já admirava por suas poesias, já tinha visto de longe, mas com quem nunca tinha falado. Na época presidente da fundação, ele pegou o tal envelope, levou para casa, assistiu e me ligou para dizer que se emocionou ao relembrar a história da antiga ferrovia através do meu filme (meu orientador havia pressagiado que esse filme me renderia bons frutos). Meses depois eu estava na sala dele, numa sequência interminável de reuniões para a realização do Itabuna 100 anos. Exigente e meticuloso ele quis acompanhar cada detalhe da realização do filme.

E lá fui eu filmar sem o amparo da mãe UESC, me preocupando com detalhes como cabos, fios e fitas que antes era providenciado habilmente pelos técnicos. Mas escolhi a pessoa certa pra ser meu braço direito e esquerdo, grande Shintomi. E aos trancos e barrancos fomos vencendo os desafios, matando leões e o filme foi ganhando forma. Em todos os lugares que eu chegava a pergunta: “Você é filha de quem?”  Eu sabia exatamente o que queriam saber com essa pergunta: “De que família você é? Quem é seu parente importante? Quem lhe indicou? O que você fez para conseguir apoio de um órgão público?” Não perguntavam por mal, apenas estavam acostumadas a viver numa sociedade na qual ainda permeia herança de um coronelismo podre, onde homens de poder e seus apadrinhados mandavam em tudo e em todos. Eu respondia “Meu pai não daqui” e continuava meu trabalho.  Eu imagino que Cyro de Mattos também deve ter ouvido a mesma pergunta: “Quem é ela? Ela é parente de quem? Por que ela e não tal pessoa?”

E foi assim que tudo começou e assim continuo trabalhando até hoje, nunca faltou trabalho graças a Deus, cada novo é  sempre por mérito do trabalho anterior, nunca por indicação de ninguém. Ainda não estou envolvida com grandes produções, meus filmes são de baixíssimo orçamento, simples mas honestos. E me dão o maior orgulho.

De todos tenho um carinho especial pelo Itabuna 100 anos, por ter acontecido numa fase de transição, por ter registrado memórias de pessoas que já partiram dessa vida e principalmente por nascido da confiança em um simples envelope de cor parda.

Obrigada Cyro de Mattos,
Grande poeta, grande pessoa.






terça-feira, 6 de agosto de 2013

Nuovo Cinema Paradiso


 Por Raquel Rocha

Salvatore Di Vita é um famoso cineasta que mora em Roma. A primeira cena do filme mostra sua mãe tentando ligar para ele para avisar que alguém havia falecido enquanto sua irmã diz que é inútil, que ele não se importa pois há 30 anos não retorna a Sicília, cidade em que nasceu. Seria Salvatore Di Vita um boçal que renega suas raízes? A noite o cineasta, ao deitar, recebe o recado que sua mãe havia deixado, comunicando o falecimento e o funeral de alguém chamado Alfredo. A câmera vai se fechando lentamente no rosto desse homem e acontece a magia do cinema.

Salvatore é então Totó, um o coroinha na igreja da pequena cidade. Após a missa o padre vai até o cinema assistir o filme do dia e censurar as cenas de beijos antes da exibição para o púbico. Totó vai junto escondido e se enfia na sala de projeção onde o projetista Alfredo exibe os filmes para o padre. Alfredo o expulsa mas ele sempre volta. Alfredo briga com ele mas ele sempre rebate. Ele olha Alfredo retirar os pedaços de filmes com as cenas dos beijos e pede-as para si. Alfredo não dá, diz que é material inflamável, perigoso. Mas Totó sempre rouba alguns pedados que encontra no chão.

Totó é um menino difícil, não se encaixa bem nos papeis que deveria desempenhar, como coroinha, como aluno e como filho. Seu pai não havia voltado da guerra e sua mãe vivia com dificuldade com duas crianças. A única forma de felicidade de Totó estava no mundo dos filmes, onde tudo era possível. Por isso não conseguia ficar longe da sala de projeção do Cinema Paradiso, mesmo quando foi terminantemente proibido após provocar um incêndio em sua casa com os pedaços de película que tinha furtado. A teimosia do pequeno cinéfilo é maior que a resistência do projetista e aos poucos Alfredo aceita aquele menino e divide com ele sua grande paixão.

Alfredo o ensina a projetar filmes mas sempre o incentivando a estudar, pois ele precisava ser alguém, se livrar do vício do cinema, para não acabar como ele, que passou a vida numa sala de projeção esquecido. Uma belíssima amizade nasce entre essas duas figuras tão diferentes, o menino e velho, unidos pelo amor aos filmes que são exibidos no Cinema Paradiso.

O filme conta uma história simples, sem grandes viradas, mas o roteiro é construído com tanta sensibilidade que o expectador fica duas horas encantado diante da tela, sentindo-se exatamente como Totó quando fugia para a sala de projeção.

A força do filme talvez decorra do fato de se tratar de um retrato autobiográfico do diretor Giuseppe Tornatore (La leggenda del pianista sull’oceano, La domenica specialmente) que conta sua história de vida com sutileza rara. O filme fala sobre amizade, sobre destino, sobre paixão e sobre o quanto uma pessoa pode se importar com outra. A cena final é umas das mais belas da história do cinema. Não só a cena, Cinema Paradiso é um dos filmes mais belos de todos os tempos, uma declaração de amor, uma verdadeira obra de arte.

______

“Alfredo: Vivendo aqui dia após dia, você acha que é o centro do mundo. Você acredita que nada vai mudar. Então você sai: um ano, dois anos. Quando você voltar, tudo mudou. O fio está quebrado. O que veio a encontrar não está lá. O que foi o seu está desaparecido. Você tem que ir embora por um longo tempo … muitos anos … antes que você possa voltar e encontrar o seu povo. A terra onde nasceu. Mas agora, não. Não é possível. Agora você é mais cego do que eu.

Salvatore: Quem disse isso? Gary Cooper? James Stewart? Henry Fonda? Eh?

Alfredo: Não, Toto. Ninguém disse isso. Desta vez é sou eu. A vida não é como nos filmes. A vida … é muito mais difícil.”

FICHA TÉCNICA
Gênero: Drama
Direção: Giuseppe Tornatore
Roteiro: Giuseppe Tornatore, Vanna Paoli
Elenco: Agnese Nano, Antonella Attili, Enzo Cannavale, Isa Danieli, Jacques Perrin, Leo Gullotta, Leopoldo Trieste,Mario Leonardi, Philippe Noiret, Pupella Maggio, Salvatore Cascio
Produção: Franco Cristaldi, Giovanna Romagnoli, Mino Barbera
Fotografia: Blasco Giurato
Trilha Sonora: Andrea Morricone, Ennio Morricone

Quanto Mais Quente Melhor



 Por Raquel Rocha
Dois músicos desempregados (Jack Lemmon e Tony Curtis) acabam testemunhando uma chacina comandada por um gangster. Jurados de morte eles se travestem de mulheres e, utilizando os nomes de Josephine e Daphne, embarcam num trem para Miami junto com uma banda feminina. Na viagem eles conhecem a cantora Sugar Kane interpretada por Marilyn Monroe. Ambos se apaixonam por ela, mas precisam disfarçar o desejo e manter a postura feminina.


Dirigido por Billy Wilder, Some Like It Hot é uma comédia simples, mas espirituosa. Cenas hilárias de dois marmanjos tentando agir como damas e de Marilyn inocentemente íntima deles sem ter noção do quanto sua sensualidade os afeta. E eles repetem pra si mesmo “I’m a girl, I’m a girl, I’m a girl”. No período da lei seca, bebem juntos a noite na cama, brincando como meninas com a loira fatal debaixo dos lençóis. Para completar a comédia, um milionário (Joe E. Brown) se apaixona por Daphne e eles acabam encontrando o gangster do qual fugiam em Miami, exatamente no hotel em que vão tocar.

O filme é de 1959, mas ainda hoje funciona utilizando receitas que depois foram repetidas ao longo desses 50 anos. “Quanto Mais Quente Melhor” é um exemplo da capacidade mágica do cinema de provocar as mesmas sensações ao longo de décadas e claro, de eternizar a beleza de uma das atrizes mais deslumbrantes da história da sétima arte.


Gênero: Comédia
Direção: Billy Wilder
Roteiro: Billy Wilder, I. A. L. Diamond
Elenco: Al Breneman, Arthur Tovey, Barbara Drew, Bert Stevens, Beverly Wills, Billy Gray, Billy Wayne, Carl Sklover, Colleen O'Sullivan, Danny Richards Jr., Dave Barry, Edward G. Robinson Jr., Fred Sherman, George E. Stone, George Lake, George Raft, Grace Lee Whitney, Harold "Tommy" Hart, Harry Wilson, Helen Perry, Jack Lemmon, Jack McClure, JackMather, James Dime, Joan Shawlee, Joe Gray, Joe Palma, John Fields, John Indrisano, John Logan, Laurie Mitchell, Marian Collier, Marilyn Monroe, Mary Foley, Mike Mazurki, Nehemiah Persoff, Pat Comiskey, Pat O'Brien, Paul Frees, Penny McGuiggan, Ralph Volkie, Sam Bagley, Sandra Warner, Ted Christy, Ted Hook


quarta-feira, 3 de abril de 2013

Marnie, Frigidez, Cleptomania e Psicanálise


FILME "MARNIE- CONFISSÕES DE UMA LADRA"

DE ALFRED HITCHCOCK

UMA ABORDAGEM PSICANALÍTICA






Uma mulher caminhando de costas numa estação de trem, cabelos pretos, roupas sérias, uma mala e uma bolsa amarela.

Um banco que acaba de ser roubado por uma mulher que desapareceu.

Uma mulher num quarto de hotel. Ela colocar roupas novas dentro de uma mala, abre a bolsa amarela que está cheia de dinheiro e joga também dentro da mala. Em seguida ela troca a identidade e tira a tintura do cabelo, revelando ser loira. Nesse momento vemos o rosto dela pela primeira vez.

A mulher chega em um hotel fazenda, todos a reconhecem e a tratam bem. Ela deixa as malas no quarto e sai para montar o seu cavalo, feliz com os cabelos soltos ao vento.

A mulher chega à casa de sua mãe. Cabelos presos em um coque sério. Demonstra ciúmes de uma garota de 10 anos a qual sua mãe toma conta. A mulher o tempo todo tenta agradar a mãe que se mostra fria e indiferente.  Ela se senta no chão e coloca a cabeça no colo da mãe, como um animalzinho carente mas sua mãe a repele.

É dessa forma que Hitchcock vai revelando aos poucos quem é Marnie, a protagonista de “Confissões de uma Ladra”. Uma mulher misteriosa e cheia de problemas psicológicos.

Marnie (Tippi Hedren), com a nova identidade, começa a planejar mais um golpe e procura emprego nas empresas Rutland. O que ela não sabe é que o proprietário da empresa Mark (Sean Connery) era cliente do banco do golpe anterior e a reconhece. Ainda assim ele a contrata: “Sou um expectador interessado no show que vai se desenrolar.”

Mark a contrata e se apaixona por ela. Ela rouba sua empresa, ele a captura e a obriga a se casar com ele caso não queira ir para a cadeia. O predador se apaixona pela sua presa, ele a prende mas também se torna prisioneiro pagando um preço alto para tê-la ao lado pois ele descobre logo que Marnie é frígida, é incapaz de sentir prazer em estar com um homem e repele qualquer tentativa de carinho do marido.



Além de ladra, mentirosa e frígida Marnie também tem algumas fobias, ela não suporta a cor vermelha e entra em pânico quando começa uma tempestade. A noite tem pesadelos e chama pela mãe.  Além de marido, Mark tenta ser uma espécie de psicanalista da esposa, ele sabe que há algo errado com ela, por isso ler livros e tenta fazer com que ela fale do seu passado. “-Se você não quer procurar um analista, por que não se ajuda?”. - “Você Freud, eu Jane?” – desafia Marnie

Mark tenta usar a associação livre com Marnie e quando ele pede que ela fale tudo que lhe venha a cabeça e diz a palavra Água Marnie retruca “banho, sabão, limpeza, pureza. As lágrimas d’Ele lavarão seus pecados e refará você” evidenciando que ela se sente suja como usa a moral religiosa para se livrar da sujeira.

----SPOILER----

Numa das crises de Marnie, em que ela tenta roubar o cofre da empresa do marido novamente. Mark decide que ela precisa se confrontar com seu passado (que ele mandou investigar) e a leva a força para a casa de sua mãe Bernice. Está caindo uma forte tempestade e Marnie chega em crise na casa da mãe que repreende “Marnie, pare de se comportar como uma criança!”

Mark começa a discutir com Bernice, dizendo que ela precisa contar a filha o que aconteceu no passado. No meio da briga de ambos e do barulho de trovões Marnie é tomada por um comportamento regressivo e começa a se lembrar do que aconteceu falando com voz infantilizada numa espécie de transe catártico e revelando o evento traumático que mudou sua vida.

Marnie é uma criança e uma noite sua mãe (que era uma prostituta) a tira do quarto para receber um cliente. Está chovendo forte e Marnie, assustada com os trovões, chora. O homem deixa a mãe de Marnie e vai consolar a menina com carinhos maliciosos. Bernice, percebendo que o homem está molestando sua filha avança sobre ele e ambos travam uma briga. Para ajudar a mãe Marnie pega uma barra de ferro e bate com ela na cabeça do homem, matando-o e esparramando sangue pela casa.



A menina traumatizada perde a memória daquela noite. A mãe assume a culpa pelo crime é julgada e absolvida alegando legítima defesa. Quase perde a guarda da filha mas nem assim revela a verdade. A mãe vê naquela tragédia a oportunidade de começar uma vida diferente, moralmente correta. “Prometi a Deus ali mesmo que se Ele me deixasse ficar com você e se você não se lembrasse, eu a criaria diferente de mim. Respeitável.”

Marnie, além de um grande filme é uma aula de psicanálise, pois percebemos no trauma toda a explicação para os traços da personagem, o pânico que ela sentia com a cor vermelha e com as tempestades, pois tanto uma coisa quanto a outra traziam de volta o terror da noite que estava reprimido no seu inconsciente. Ela mente compulsivamente porque foi criada com a mãe mentindo pra ela, associou a mentira ao amor. Sua frigidez é resultante do nojo que ela sentiu quando criança do homem que tentou molestá-la, associando o sexo à algo sujo e violento.

A cleptomania de Marnie também tem sua explicação na psicanálise. Segundo o psicanalista alemão Karl Abraham o cleptomaníaco não recebeu durante a infância provas concretas de amor, como podemos perceber na frieza da mão de Marnie: “o furto seria ao mesmo tempo um prazer substitutivo do afeto e uma vingança fantasiosa contra as figuras significativas consideradas culpadas por tê-lo abandonado.” *

Resultante da culpa inconsciente que Marnie sentia pelo crime que cometeu “Os cleptomaníacos teriam uma fragilidade estrutural no superego (instância que representa a consciência moral) acompanhada de uma necessidade de punição, de ser descoberto.”* Ser descoberta e punida seria então sua a redenção  e o fim de sua culpa.

A cleptomania de Marnie também seria uma forma de reagir a um segredo familiar ao qual ela não tinha acesso (evento traumático) e de substituir o ato sexual, já que ambos, o roubo e o sexo, são proibidos. Já que Marnie considera o sexo sujo ela o substitui pelo prazer do roubo.

Para Winnicott “a criança que rouba algo não deseja o objeto roubado e sim a mãe sobre a qual acredita ter direito.”

É filme genial, desses que a gente não consegue parar de assistir e depois quer assistir de novo e de novo. Assim como Mark nós (psicanalistas ou não) queremos descobrir o que fez de Marnie essa mulher tão enigmática e psicologicamente perturbada.

A produção do filme carrega consigo muitas histórias. Quem ia interpretar Manie era Grace Kelly mas ela acabou desistindo do papel. O roteirista foi demitido por se recusar a escrever uma cena de estupro e Hitchcock teve uma série de desentendimento com Tippi Hedren por quem ele mantinha uma paixão obsessiva desde Os Pássaros. Talvez por todos esses problema é que Marnie Confissões de uma Ladra seja tão fascinante.


Autora: Raquel Rocha- Graduada em  Comunicação Social. Formação em Psicanálise e Especialista em Saúde Mental.

REFERÊNCIAS

*Revista Mente e Cérebro, Edição Especial n 36
Filme "Marnie- Confissões de uma ladra."

Ficha Técnica 
Diretor: Alfred Hitchcock
Elenco: Tippi Hedren, Sean Connery, Diane Baker, Martin Gabel, Louise Latham, Bob Sweeney, Milton Selzer, Alan Napier, Henry Beckman, Edith Evanson, Mariette Hartley, Bruce Dern, S. John Launer, Meg Wyllie
Roteiro: Jay Presson Allen
Fotografia: Robert Burks
Trilha Sonora: Bernard Herrmann
Duração: 130 min.
Ano: 1964
País: EUA
Gênero: Suspense





domingo, 17 de março de 2013

Amour


Anne (Emmanuelle Riva) e Georges (Jean-Louis Trintignant) formam um casal de aposentados. De gosto erudito, conservam o hábito de frequentar teatros e óperas. A história começa justamente no teatro Campos Eliseos com a câmera de frente para uma grande plateia. As pessoas chegando, se sentando, assistindo a apresentação, e não vemos o palco, somente a plateia e o casal octogenário em meio a todas aquelas pessoas.

Eles têm uma filha, mas vivem sozinhos, são independentes e tem uma relação de intensa cumplicidade. Tudo corre bem na rotina deles, até que Anne sofre um AVC e precisa fazer uma cirurgia. Vários planos do apartamento vazio à noite mostram que a vida de ambos nunca mais será a mesma.

Ao voltar do hospital, ela está com a parte direita do corpo paralisada, mas tenta conservar sua autonomia, fazer suas coisas sozinha e repetir o tempo todo que não está inválida.  Tendo consciência de sua condição degenerativa ela faz um pedido um tanto cruel pro marido:”Prometa-me uma coisa. Por favor, nunca me leve de volta ao hospital.”

A partir desse momento vemos a personagem definhar, corpo e mente. Seu orgulho sendo ferido a cada agravamento da doença, a perda da capacidade de cuidar de si mesma, de controlar suas funções fisiológicas.  Anne não quer viver assim, o desejo de morrer está estampado em seus olhos e em seus gestos. Depois de perder o controle sobre seus movimentos, Anne perde também a lucidez. A filha quer interná-la, levá-la para um lar de idosos, mas Georges não permite, ele respeita a vontade da esposa mesmo quando ela não tem mais vontade. O casal tem uma dignidade peculiar.

O filme é de uma sensibilidade poucas vezes vista. É uma história triste, mas sentir a morte chegar aos poucos também é triste. Tem muitos momentos de silêncio, mas às vezes simplesmente não há o que ser dito. Planos longos, sequências arrastadas, mas é assim a velhice, a doença… ao nos sentirmos impotentes parece que o tempo teima em não passar.

“A história que eu conto é uma forma estética de ver esta promessa de amor”, declarou Michael Haneke, que também dirigiu “A Fita Branca” (Das weiße Band) e sempre se recusou a explicar seus filmes. Em Amour as palavras são mesmo desnecessárias.

 Amour (em português Amor, tradução altamente desnecessária) é um filme velho, um filme angustiante, mas é verdadeiro, dolorosamente verdadeiro, um filme que nos faz pensar, nos faz sentir, nos ensina a amar. É uma obra-prima.

“As coisas vão continuar, e um dia tudo vai acabar.”

O filme concorre ao Oscar nas categorias de melhor direção, melhor filme, melhor filme estrangeiro, roteiro original e melhor atriz. Emmanuelle Riva é a atriz mais velha a ser indicada a estatueta. Ela tá realmente espetacular no filme, mas acho que a interpretação máxima de Amour  é a de Jean-Louis Trintignant. As vezes ver o outro sofrendo é pior que sentir a dor.



Diretor: Michael Haneke
Elenco: Jean-Louis Trintignant, Emmanuelle Riva, Isabelle Huppert, Alexandre Tharaud, William Shimell, Ramón Agirre, Rita Blanco, Carole Franck, Dinara Drukarova, Laurent Capelluto, Jean-Michel Monroc, Suzanne Schmidt, Damien Jouillero, Walid Afkir
Produção: Stefan Arndt, Margaret Ménégoz
Roteiro: Michael Haneke
Fotografia: Darius Khondji
Duração: 127 min.
Ano: 2012
País: França, Alemanha, Áustria


Palavras Chaves: Cinema Filme Movie Opinião Comentário Resenha Crítica Oscar 2013 indicações