sexta-feira, 16 de agosto de 2013

O Envelope Pardo


"Itabuna 100 Anos", de Raquel Rocha, foi um projeto bem-sucedido em  minha gestão como diretor-presidente da Fundação Itabunense de Cultura e Cidadania. Repercutiu de maneira favorável em nossa comunidade ao ser exibido no Centro de Cultura Adonias  Filho lotado, como parte das comemorações do Centenário da Cidade. A direção da cineasta Raquel Rocha e o conteúdo com depoimento de pessoas,  que nasceram aqui e vivenciaram a nossa história, fazem desse documentário uma fatura exemplar sobre a recuperação de um tempo perdido. A linguagem dos entrevistados que ecoa nesse tempo posto na imagem revela momentos significativos da memória grapiúna."     Cyro de Mattos   






Hoje de manhã tive uma grata surpresa ao ler essas palavras de Cyro de Mattos sobre o “Itabuna 100 anos” um filme de 2010. As palavras dele me fizeram relembrar o tempo em que eu terminei a faculdade e me vi preocupada diante da possibilidade de nunca mais voltar a filmar, uma vez afastada da UESC e de tudo o que ela nos possibilitava.

 Eu sabia exatamente o que queria fazer da vida mas também sabia o que não queria. Não queria ter que ligar pro vereador x nem pro secretário y, não queria pedir a interseção de nenhum padrinho influente. Sondei a iniciativa privada e percebi que, se me apoiassem, seria também pelo conhecimento e não por interesse real nos filmes. Foi aí que coloquei dentro de um envelope pardo meu documentário de conclusão de curso (Nos Trilhos do Tempo) e meu currículo, fui até a Fundação de Cultura da minha cidade e deixei lá na recepção, na esperança de que alguém por lá visse e algum dia lembrasse do meu nome.

E não é que alguém viu? O grande escritor Cyro de Mattos o qual já admirava por suas poesias, já tinha visto de longe, mas com quem nunca tinha falado. Na época presidente da fundação, ele pegou o tal envelope, levou para casa, assistiu e me ligou para dizer que se emocionou ao relembrar a história da antiga ferrovia através do meu filme (meu orientador havia pressagiado que esse filme me renderia bons frutos). Meses depois eu estava na sala dele, numa sequência interminável de reuniões para a realização do Itabuna 100 anos. Exigente e meticuloso ele quis acompanhar cada detalhe da realização do filme.

E lá fui eu filmar sem o amparo da mãe UESC, me preocupando com detalhes como cabos, fios e fitas que antes era providenciado habilmente pelos técnicos. Mas escolhi a pessoa certa pra ser meu braço direito e esquerdo, grande Shintomi. E aos trancos e barrancos fomos vencendo os desafios, matando leões e o filme foi ganhando forma. Em todos os lugares que eu chegava a pergunta: “Você é filha de quem?”  Eu sabia exatamente o que queriam saber com essa pergunta: “De que família você é? Quem é seu parente importante? Quem lhe indicou? O que você fez para conseguir apoio de um órgão público?” Não perguntavam por mal, apenas estavam acostumadas a viver numa sociedade na qual ainda permeia herança de um coronelismo podre, onde homens de poder e seus apadrinhados mandavam em tudo e em todos. Eu respondia “Meu pai não daqui” e continuava meu trabalho.  Eu imagino que Cyro de Mattos também deve ter ouvido a mesma pergunta: “Quem é ela? Ela é parente de quem? Por que ela e não tal pessoa?”

E foi assim que tudo começou e assim continuo trabalhando até hoje, nunca faltou trabalho graças a Deus, cada novo é  sempre por mérito do trabalho anterior, nunca por indicação de ninguém. Ainda não estou envolvida com grandes produções, meus filmes são de baixíssimo orçamento, simples mas honestos. E me dão o maior orgulho.

De todos tenho um carinho especial pelo Itabuna 100 anos, por ter acontecido numa fase de transição, por ter registrado memórias de pessoas que já partiram dessa vida e principalmente por nascido da confiança em um simples envelope de cor parda.

Obrigada Cyro de Mattos,
Grande poeta, grande pessoa.






Nenhum comentário:

Postar um comentário