segunda-feira, 15 de junho de 2015

MINHAS TARDES COM MARGUERITTE- Resenha do Filme e Análise Psicanalítica

Por Raquel Rocha
Economista, Comunicóloga, 
Psicanalista e Especialista em Saúde Mental
Pós-graduanda em Neuropsicologia
Membro da Academia de Letras de Itabuna





Obra-prima francesa do ano de 2010. Dirigido por Jean Becker (Sejam Muito Bem-vindos e Conversas com Meu Jardineiro).

Germain, interpretado por Gérard Depardieu é um homem de meia idade que vive de forma simples e carrega consigo a inocência de uma criança. Ele cultiva frutas e verduras para vender na feira, tem uma namorada que dirige um ônibus e seus passatempos são: encontrar os amigos em um bar e alimentar os pombos na praça.

Sua horta é no quintal da casa de sua mãe onde ele também mora num trailer. Sua relação com sua mãe é tumultuada. Sempre foi assim, desde a infância de Germain. Sua mãe engravidou de um rapaz com quem ela esteve por uma noite, portanto considerava Germain um erro, um estorvo na vida dela.

Germain tinha dificuldade nos estudos, na escola era caçoado por alunos e professores. Germain não aprendeu a ler. Não aprendeu a ser amado. Só aprendeu a ser bom porque a bondade fazia parte dele. Mesmo quando adulto, seus amigos faziam piada dele, da sua dificuldade de compreensão, da sua falta de jeito de dizer as coisas.

Esse homem simples estava condenado a se sentir incapaz por toda a vida, mas ele conhece Margueritte, uma velhinha de 95 anos, que lê livros no banco da praça onde ele alimenta os pombos.

A conversa surge naturalmente, Margueritte fala sobre o livro que está lendo.  Margueritte lê um trecho para Germain. Eles passam a se encontrar por várias tardes, Margueritte lê livros inteiros para ele. Germain é um ouvidor atento, fecha os olhos e imagina tudo o que Magueritte lê. Desses encontros nasce uma belíssima amizade. Em Margueritte, Germain vê uma amiga, uma professora, uma mãe, uma luz para sua vida.

Fazendo uma análise Psicanalítica de “Minhas Tardes com Margueritte” podemos perceber como Germain se tornou o homem que conhecemos. Ele cresceu sendo chamado de burro e ele introjetou o que ouvia se bloqueando cognitivamente por toda vida.

Por isso nunca diga a uma criança que ela não é capaz de algo, porque ela acredita. Acredita que realmente não é capaz e sendo assim, desiste sequer de tentar.

A mãe dizia: “Só faz besteira” “Come, da prejuízo e se suja”
A mãe chamava-o de “Isto” e aquela criança acreditou que era um nada.

Talvez por isso sua necessidade constante de colocar seu nome num monumento em homenagem aos mortos de guerra. Como se ele não existisse de verdade, mas quisesse muito estar na memória de alguém.

Germais sente falta de um pai que nunca teve. Numa conversa com a namorada ele desabafa:
“Em toda família há momentos de afeto. Afagam a sua cabeça e dizem ‘é a cara do pai’. Eu não sou a cara de ninguém, talvez um par de culhões... Ele não existe, nem eu. Não tive um modelo. Precisei descobrir tudo sozinho.”

Sua mãe esta senil, mas continua tratando-o mal, debochando dele. Quando um de seus amigos pergunta por que ele mora no quintal da mãe, por que ele não vai para longe ele responde “Eu não a escolhi Nem ela me escolheu” E acrescenta “ teria que ir para o fim do mundo, Entre minha mãe e eu, a distância está na cabeça”

Quando Gemain encontra Margueritte o processo que chamamos de transferência é imediato. Todas as faltas de sua mãe parecem ser preenchidas, ao contrário da sua mãe Margueritte é carinhosa, paciente, incentiva Germain e acredita no seu potencial.

Mas aquela frágil senhorinha de 95 anos está cada vez mais debilitada, está perdendo sua visão e com isso Germain pode perder sua luz.

Baseado no  livro “La Tête en Friche”, de Marie-Sabine Roger, o longa foi Minhas tardes com Margueritte é mais que um filme, é uma aula de psicanálise, uma aula de vida, é uma poesia. Não deixem de assistir.



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