domingo, 22 de janeiro de 2017

Minha Paralisia Facial




Por Raquel Rocha

Esse texto é sobre um problema que poucas pessoas conhecem
É sobre o pior atendimento médico da minha vida
É sobre senhoras com pouco estudo e muita sabedoria
É sobre desapego

Assistir ao Fantástico semana passada foi como voltar no tempo... Eu tive Paralisia Facial, foi uma das piores experiências da minha vida mas que me ensinou muito.

Ocorreu há cerca de 13 anos, eu era jovem, na época eu trabalhava 20 horas por dia, nas outras 4 horas eu rolava na cama preocupada com as pendências que haviam ficado para o dia seguinte. Forcei-me até o limite do limite, do limite, físico e mental até que um dia acordei com o rosto dormente e em cerca de três horas o lado esquerdo ficou TOTALMENTE paralisado.

Eu não tinha a mínima ideia do que era,  nunca tinha visto ninguém com aquilo, não sabia nem o nome. Liguei para todos os neurologistas da cidade e nenhum tinha vaga para me atender, nem por plano, nem particular, nem pagando com meu rim.  Fiz algo que não gosto, que foi pedir para um “alguém importante” ligar para um médico e pedir que ele me encaixasse. Assim foi feito e eu fui para o Tal consultório passar por um dos piores atendimentos da minha vida.

Apesar da consulta ser uma fortuna, a secretária me olhava de cara feia, pensando no tempo a mais que passaria no consultório.  A consulta havia sido marcada para 16:00 horas. Em meu desespero, com metade da cara paralisada fui pra lá as 15:00. Fiquei sentada nessa recepção por mais de 6 horas, o rosto parecia entortar cada vez mais, o desespero aumentava, e eu via paciente após paciente entrar e sair e minha vez nunca chegava...

As 21:30 fui chamada pelo médico. Entrei na sala dele com a esperança de quem estava adentrando na luz mas na verdade estava adentrando na escuridão. Ele mal olhou para mim, deu duas batidas no meu joelho e foi logo prescrevendo os exames, sem olhar para mim disse que 90% dos casos deixam sequelas.

Eu comecei a chorar, não sei se pela sentença das sequelas (desnecessárias naquele momento) ou se pelo descaso do único médico que eu tinha achado para me atender. Não sei se alguém aqui já viu alguém com paralisia chorar mas é uma coisa monstruosa, só um lado comprime, só um lado sai lágrimas... Meu choro inesperado não esticou a consulta que durou menos de 5 minutos.

Saí da sala daquele homem estarrecida e fui pro balcão marcar a data de retorno. Não havia data de retorno. Na semana seguinte ela estaria em uma cidade, na outa semana na outra e sua rotina de pop star não lhe permitiria me ver em menos de 40 dias.

Fui para casa com aquelas solicitações de exame na mão sem acreditar que nada daquilo estivesse acontecendo, nem a paralisia, nem o médico monstro no atendimento, nem eu monstra na aparência. Eu simplesmente não sabia o que fazer.

Acho que caminhava entorpecida, a vontade de chorar tinha cessado, minha vida, minha rotina passava na minha cabeça como um filme.

Naquela noite deitei na cama e consegui agradecer a Deus por estar viva. E daí as sequelas? Meu rosto não dizia quem eu era... Meu rosto era só minha aparência.

Minha paralisia era tão forte que eu não conseguia fechar os olhos. Nessa noite tive que comprar uma pomada passar nos olhos para evitar o ressecamento das córneas e fechar os olhos com esparadrapo. (pomada receitada por mim mesma, a partir de pesquisas do meu marido na internet de pulso telefônico - não façam isso)

Acordei no dia seguinte com o rosto ainda TORTO mas com o coração incrivelmente EM PAZ. Joguei as solicitações de exame do médico fora porque não teria a quem mostrar os exames. (não façam isso jamais)

Comecei a me tratar com tudo que me indicavam. Tudo mesmo. Cada senhora que me encontrava na rua me passava um chá diferente e toda vez que eu ia numa loja de folha me aparecia uma outra senhora me receitando mais um chá. Indicaram-me uma rezadeira. Eu não tenho vergonha de dizer não gente, EU FUI NA REZADEIRA, não só um dia, mas durante 15 dias de manhã cedo, quando sol ainda não estava alto. Ela me rezava, passava os galhos em mim e me dizia as palavras de conforto que o Sujeito Neurologista com não sei la quantos anos de faculdade não aprendeu a dizer.

Fiz fisioterapia também, receitada não por neurologista, mas por um amigo médico de outra especialidade. Tornei-me amigas das fisioterapeutas que me davam dicas, me davam choques no rosto e a gente ria por eu não sentir absolutamente nada. Na maca da fisioterapia um monte de gente de aproximava com conselhos. Mandaram-me mascar chiclete o tempo para exercitar os músculos da face e eu mascava uns 50 chicletes por dia (menos na hora da reza). Aprendi fazer massagem facial para estimular a musculatura, usava pomadas e um gel.

Nesse período comecei a fazer uma auto-análise. Aprendi a perguntar “Por que” e a buscar respostas. “Por que eu tive essa paralisia”? “Por que me senti como se o mundo estivesse acabando?” “Por que preciso de um rosto para me reconhecer?”  Não sabia que eu a Raquel Psicanalista estava nascendo ali.

Não me preocupava se as sequelas ficariam ou não... eu ficava feliz com cada melhora, agradeci infinitamente a Deus quando consegui fechar os olhos sozinha pela primeira vez.

Da mesma forma que encontrei pessoas generosas encontrei muita gente ignorante que me olhava como se eu fosse uma anomalia, algumas riam, outras não conseguiam disfarçar o olhar. Essas pessoas também me ensinaram muito, com elas eu aprendi a nunca agir assim, por mais estranho que o outro fosse.

Aos poucos fui melhorando. Não sei dizer o que me curou, se a fé, se as rezas, se os galhos passados, se a fisioterapia, se os 30 chás com gosto terríveis que tomei direitinho, se a paz que fez morada em meu coração, ou se tudo isso junto. Passei cerca de um ano convivendo com os sintomas, mas foi um excelente ano.

Todo esse desabafo vem 13 anos depois porque ao assistir a reportagem eu percebi que essa que poderia ter sido uma piores experiências da minha vida na verdade foi uma das melhores. Ficar com aparência monstruosa me tornou mais humana. E eu sou muito grata por ter passado por isso.
Nos decorrer desses anos em diversos momentos lembrei dos anjos desconhecidos que cuidaram de mim, daquela rezadeira de seios fartos, sorriso largo e palavras sábias, das senhoras que me encontravam na rua e diziam “Minha fia, tenho um receita que vai fazer você ficar boazinha logo”, das fisioterapeutas que me recebiam com abraços, do médico de outra especialidade que se arriscou para cuidar de mim, do senhor raizeiro que repetia o modo de preparo das ervas pra mim com preocupação de avô... "A fia ficou boazinha." No fim de tudo, acho que fui curada pelo amor...

Você deve estar se perguntando se eu fiquei com sequelas. Fiquei sim, mas não gosto de chamar de sequelas, gosto de chamar de marcas, as maiores delas estão na alma e são lindas.



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Importante:

NÃO RECOMENDO A DECISÃO QUE TOMEI DE FAZER TRATAMENTO ALTERNATIVO PARA NINGUÉM. Por favor não façam como eu fiz, minha decisão foi uma decisão de desespero e desapego. Recomendo que façam os exames, encontrem um bom neurologista e façam o tratamento exatamente como ele prescrever. Minha opção deu certo para mim por razões que não sei explicar, mas eu ainda acredito totalmente na medicina tradicional.