quarta-feira, 26 de abril de 2017

A Psicopatia no Livro O COLECIONADOR de John Fowles

 
Por Raquel Rocha
Comunicóloga,  Economista
Psicanalista e Especialista em Saúde Mental
Especialista em Neuropsicologia
Membro da Academia de Letras de Itabuna
 
 
 
O Colecionados de John Fowles, best seller mundial lançado em 1963.
 
Frederick Clegg é um jovem que trabalha em uma repartição pública. Fred não tem amigos e não faz questão de tê-los. Nunca namorou. Não parece gostar nem mesmo da sua tia e sua prima, sua única família.
 
Ele nutre uma obsessão por Miranda, fica na janela do trabalho esperando ela passar, observa ela na rua, uma vez pegou o trem, sentou atrás dela. Além de observa-la ele anotava todos os passos dela em um diário.  Miranda era bonita, jovial, apaixonada por artes.
 
Abaixo um trecho do livro que descreve a infância de Frederick pra gente tentar entender a formação da sua personalidade:
 
“O meu pai morreu num desastre de automóvel. Eu tinha dois anos.
 Isso foi em 1937. Ele estava bêbado, mas a Tia Annie disse sempre que foi minha mãe quem o levou a beber. Nunca me disseram o que aconteceu, na realidade, mas mamãe foi-se embora pouco tempo depois e deixou-me com Tia Annie. Só queria divertir-se. A minha prima Mabel contou-me, certa vez (quando éramos garotos, durante uma zanga) que ela era uma mulher das ruas e que se fora com um estrangeiro. Fui estúpido e perguntei logo a Tia Annie se era verdade, e. claro, esta inventou uma mentira e nunca me disse o que quer que fosse sobre mamãe. Não me importo, agora, se ela ainda estiver viva; não a desejo conhecer. Não tenho o menor interesse nisso. A Tia Annie sempre pareceu julgar que eu tivera sorte em verme livre de mamãe e eu concordo inteiramente com ela.
Assim, fui educado por Tia Annie e pelo Tio Dick, juntamente com sua filha Mabel. A Tia Annie era a irmã mais velha de meu pai.
O Tio Dick morreu quando eu tinha quinze anos, em 1950. “
 
Ele é um tipo esquisito, que despreza todo mundo e gosta de passar seus momentos sozinhos. Seus únicos prazeres de Fred são: observar Miranda e caçar borboletas para a coleção que ele mantém há anos. Esse jovem estranho acaba ganhando uma fortuna numa espécie de loteria do futebol. Mas o que fazer com todo esse dinheiro? Fred não gostava de festas, não tinha sonhos, não desejava comprar nada, a única coisa que ele desejava era Miranda.
 
Ele tenta ter relações com uma prostituta mas não consegue. Sua sexualidade é expressa através do consumo de pornografias, com as quais ele alterna sensações de prazer e nojo. Sem encontrar nenhuma forma de satisfação com sua fortuna Fred volta a seguir Miranda, agora em Londres, para onde Miranda tinha se mudado a fim de estudar artes.
 
Um dia Fred lê num jornal de uma propriedade a venda, um lugar afastado de tudo. Ao visitar o local ele descobre que a casa possui um porão praticamente invisível ao mundo. A partir desse momento uma ideia começa a germinar em sua cabeça: Sequestrar Miranda. 
 
Fred cuida de tudo minuciosamente, desliga os telefones, reforma a casa, reforça as parede do porão, faz o isolamento acústico, coloca um porta grossa com metal no interior, em seguida ele compra “tudo” que alguém pode precisar pra viver: roupas, livros, revistas. Ele segue Miranda até que encontra uma oportunidade e a sequestra.
 
A primeira parte do livro é toda narrada pelo próprio Frederick, quem ele é, sua obsessão por Miranda, o desenvolvimento do seu plano e sua relação com a jovem enclausurada. Ele a enche de presentes, tenta ser gentil, em sua mente doentia Miranda vai se apaixonar por ele e eles vão viver juntos e felizes. Claro que não é isso que acontece, no fundo ele sabe que nunca terá o amor daquela jovem, que ela será sempre sua prisioneira, como uma das borboletas da sua coleção. Seu espécime mais bela e mais rara. Na verdade ele não a ama, ele a quer possuir simplesmente. Ele sequer tenta ter uma relação sexual com ela, só quer sentir que ela pertence a ele.
 
A relação carcereiro e prisioneira muda constantemente, Miranda grita, esperneia, sente raiva, se retrai, tenta fugir, tenta conversar, tenta negociar, tenta enganá-lo, seduzi-lo, tenta desesperadamente se livrar daquela situação mas tudo o que ela faz parece inútil.
 
Fred vai percebendo as artimanhas de Miranda e se tornando cada vez mais metódico, às vezes cruel. Em determinados trechos do livro parece ter perdido interesse por ela mas em nenhum momento cogita liberta-la.
 
A segunda parte do livro é toda narrada por Miranda. É o diário que a jovem escreveu desde o momento em que foi aprisionada. Só nessa segunda metade é que conhecemos Miranda como ela é, seu gosto pela liberdade, suas dúvidas da juventude, o que era importante na vida dela, seu desejo de sair dali e fazer as coisas diferentes.  Se você não consegue desgrudar do livro na primeira parte, talvez você ache a segunda um pouco cansativa. Miranda no tem nada de especial, é uma jovem comum como tantas outras, talvez um pouco mais mimada e até arrogante. Se a narrativa de Fred foca nela e no seu aprisionamento a dela viaja por situações e personagens que não acrescentam muito a narrativa do livro.
 
Na primeira metade do livro temos a narrativa de Fred, na segunda metade o diário de Miranda. Na terceira parte temos o desfecho dessa situação com cerca de 14 páginas e a Quarta parte é uma espécie de Epílogo.
 
Não ficamos encantados ao conhecermos Miranda, mas isso não diminui nossa angústia pelo seu confinamento. Tudo que ele faz por ela, dando-lhe roupas, livros, quadros e revistas não ameniza a crueldade do seu ato. E durante o livro percebemos que um aprisionamento como esse, sem data de acabar é muito pior do que do que uma morte, porque você priva a pessoa de sua vida, em vida.
 
O personagem Fred tem claros traços de transtorno de personalidade antissocial (também chamado de psicopatia). Essa desordem de personalidade caracterizada pelo desprezo as regras sociais, frieza e ausência de empatia. A falta de emoções e ausência de culpa são as principais características do psicopata. Fred não se importa com o sofrimento de Miranda, ele a mantém presa da mesma forma como faz com suas borboletas.                                             
   
O Psicopata é um indivíduo amoral que vive segundo suas próprias regras. Fred sente vontade de sequestrar Miranda e a sequestra, ele não se incomoda com o certo e o errado. Os psicopatas veem as pessoas como coisas, e como tais podem usadas segundo seus interesses.
 
Também não possuem emoções por isso são extremamente racionais. Há um MITO que diz que todo psicopata é inteligente. Não é. Cientistas americanos e britânicos publicaram uma recente pesquisa que mostra que na verdade os psicopatas tem uma inteligência abaixo da média. Os pesquisadores  descobriram isso depois de avaliar 187 estudos que relacionam a psicopatia com as capacidades intelectuais.  Segundo um dos pesquisadores da Universidade de St. Louis, no Missouri esse mito foi criado porque as pessoas relacionam a inteligência com duas características típicas de um psicopata: a manipulação e a sedução.
 
Acrescenta-se aí o personagem Hannibal Lecter, o psicopata mais famoso do cinema, que era inteligentíssimo e ainda fato dessas pessoas por serem frias, acabam sendo racionais e planejam seus atos com muito cuidado. Como resultado dessa mistura temos o mito de que o psicopata tem inteligência acima da média.
 
Fred confirma isso. Ele tem dificuldades em conversa sobre qualquer assunto mais profundo com Miranda, seja sobre pintura, literatura ou atualidades. Ele até finge interesse para agradar Miranda, mas fica evidente que ele não tem o mesmo nível intelectual que sua prisioneira.
 
Em determinado momento da obra os mais desatentos podem achar que Fred ama Miranda. Não ama. Ele apenas quer possuí-la. Como não há sentimento, no psicopata também não há o apego. E essa característica nos é revelada de forma perturbadora no final do livro.
 
O Colecionador é um livro inquietante, que fala nas linhas e nas entrelinhas. Livro para ser lido, digerido e relido. Não posso garantir que você vai gostar, mas posso garantir que essa obra não vai sair da sua cabeça.

Como Referir:  ROCHA, Raquel. A Psicopatia no Livro O COLECIONADOR de John Fowles Esquizofrenia Residual. Disponível em: <http://soliloquiospsicanaliticos.blogspot.com > Acesso em: __/__/____  

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