sábado, 1 de abril de 2017

Terapia, Psicoterapia, Setting, Psicanálise

Livro: Conversa sobre terapia.
Autor: Bilê Tatit Sapienza


 
O PROCESSO PSICOTERÁPICO

"Seu paciente vem semana após semana, às vezes durante anos. Cada vez ele traz um pedacinho da história que é a dele, que é ele. Os sentimentos mais diversos vão passando por ali: raivas e amores, sonhos e desilusões, esperanças e temores, culpas e vontade de poder ser melhor. Por que ele volta toda semana e continua o desenrolar de sua história? Será que é para ter uma conversa interessante com você? Isso não sustentaria uma terapia. Ele vem porque, a cada sessão, vocês dois reúnem pedaços de significados que estavam dispersos na vida dele. Às vezes, eles estão difíceis de aparecer, mas vocês acendem uma luzinha aqui, outra ali, e começam a encontrá-los. Esses significados juntam-se e passam a estruturar sentidos de sua vida."

 
O SETTING

"É o lugar onde o sujeito pode retomar tanto aquele episódio, tão antigo que ele pensou que já fosse passado, como aquele sonho de futuro sempre adiado; onde ele pode ser frágil e ser forte, estar triste ou contente; onde ele pode se ver como aquele para quem a vida tem de ser sempre uma tarefa árdua ou aquele para quem a vida tem de ser sempre uma festa. Enfim, todos os sentimentos têm o direito de frequentar a sessão. Alguns deles surgem e dizem logo 'estou aqui' com muita clareza, e outros, por muito tempo, negam-se a mostrar-se; querem ser chamados por outros nomes ou se misturam com outros sentimentos. Mas, com paciência, eles todos vão chegando e colorindo uma história cheia de sentido."”

 
O QUE É TERAPIA?

"Terapia é um momento em que é possível aprofundar o pensamento, de uma maneira inteiramente pessoal, na questão básica do sentido da vida própria.”
 
"Terapia é oportunidade de o paciente poder olhar, de novo, para o que foi vivido e passou - ou não passou -, para o que é vivido agora, e autenticar tudo como sendo dele, como sendo ele."

"Terapia é possibilidade de dirigir um olhar diferente para a própria existência e, assim, reformular significados."
 
"Terapia é a ocasião de ver que essa e a vida que se realizou, que foi esse o caminho percorrido mas é um caminho que continua e, o mais importante, pode ir em direções diferentes. Às vezes, isso quer dizer novas escolhas que implicam mudanças radicais. Mas o mais comum é que esse poder ir em outra direção queira dizer: mudar a direção do olhar, poder ver outros significados nos fatos que, em si continuam os mesmos; poder sentir que, exatamente porque aquela história é especialmente a dele, ele é seu protagonista e cabe a ele trazer elementos novos para ela. Sim, porque terapia também é isto: a chance de alguém perceber que não lhe compete mudar os outros; que não compete aos outros tomar a iniciativa para resolver os problemas que são dele, e que a obrigação de cuidar da sua vida e primeiramente dele; e a chance de perceber que ele deve isso a si mesmo."

 
"Terapia vem da palavra grega therapeia-as, de therapeúein, e tem os significados de: servir, honrar, assistir, cuidar, tratar. O cuidado com alguma coisa, por exemplo, uma planta, supõe que ela deva ser plantada no solo adequado, tenha a luminosidade de que precisa, receba água, etc. Supõe também precisar interferir, ás vezes, naquilo que esta prejudicando o seu desenvolvimento: a terra que se tona pobre, as pragas que atacam o tronco que se entorta. Essa interferência significa cuidado, e podemos dizer que tal cuidado é terapêutico para a planta.
Mas cuidamos a fim de que? Cuidamos dela para que se torne o melhor possível, a planta que está destinada a ser: para que ela dê as peras mais gostosas ou as margaridas mais bonitas. Num exemplo mais delimitado: alguém pode ter sua mão impedida de desempenhar suas funções mais essenciais por causa de doenças, de traumatismos. Um cuidado terapêutico tentará fazer com que aquela mão se reaproxime de novo daquilo que ela, na condição de mão, deve ser. Trata-se de devolver a ela, o melhor que pudermos aquilo que é próprio da mão ou, dito de outro modo, trata-se de devolver a mão ao que ela é destinada."
 
 
O MOMENTO DA TERAPIA
 
 "O momento da terapia é aquele privilegiado, em que fazemos uma fenomenologia da existência (...) momento raro como só esse pode ser, pois em nenhum outro uma pessoa abre a sua intimidade com tanta confiança.  E ela o faz não para que alguém a veja dentro de uma teoria ou para que elabore urna a partir do que ela fala. Sua existência se abre para ser compreendida. Esse é o fenômeno ali. Ele é absolutamente singular: porque aquela vida de que se trata e única, aquela sessão e única, a relação entre aquele terapeuta e aquele paciente é única. Não há duas terapias iguais.”

 

O TEMPO DA TERAPIA

  "O paciente tem pressa: primeiro, porque ele esta sofrendo; segundo, porque acredita que, se um tratamento é bom, deve ser rápido. Afinal, já ha tantas pesquisas a respeito dos distúrbios, existem técnicas para tratá-los, e você certamente já as conhece. Em geral, ele já vem tomando um remédio, mas lhe disseram que uma terapia também ajuda a resolver.

Você e ele vão trabalhar, não contra o tempo, mas a favor do tempo; ele vai precisar de um tempo para poder desdobrar, com você, pormenores de sua vida que, só depois de contados, tocados, mexidos, poderão ajudar a compor a história dentro da qual suas queixas fazem sentido. E muita coisa que vai ser dita poderá parecer, à primeira vista, conversa jogada fora, mas só parece; você vai precisar de um tempo para aprender, com esse paciente, a forma de se aproximar sem ser invasivo; você vai precisar de um tempo para que amadureça uma compreensão; vai ser preciso tolerar sofrimento.

Talvez você diga agora: "Mas isso é tempo demais; e a terapia mesmo, pra valer, quando começa? Quando vai ser a hora de tratar dos problemas pelos quais ele me procurou?". Ora, a terapia já começou lá, no momento em que ele confiou em você como possibilitador do espaço ou da condição em que o mundo dele pode ser aberto, aproximado, olhado de perto; ali na sala ele falou do medo que sentiu tantas vezes ou do medo que nunca se permitiu sentir; do quanto ele tem se imposto tarefas e esforços para ter sucesso, do quanto ele precisa competir; do amor que não recebeu, do amor que não sabe dar; de como se sente capaz de fazer algum estrago em sua vida ou na dos outros, de como ele não quer isso; de como é preciso estar sempre atento para que nada errado aconteça; dos seus sonhos, tanto aqueles que morreram como aquele que teima em continuar. Falou também das coisas boas de sua vida.

 A terapia já começou na hora em que, ao entrar na vida dele, você se tornou para ele aquele "outro" - e como é necessário o outro! - que o espera a cada sessão para recolher, com ele, pedaços da sua história: pedaços que estavam esquecidos, dispersos, diminuídos, aumentados, e que, ao serem recolhidos, formam um desenho que vai  ganhando sentido e que ele pode reconhecer como sua vida. Ela começou porque poder compartilhar com você esse novo olhar já é aquele "toque" terapêutico que pode alterar profundamente a sua forma de existir."

 
DE QUE CUIDA A TERAPIA?

"A terapia é isto: cuidar da existência que sofre. Porque a existência é frágil por natureza. Não só a vida que, como animal, o homem compartilha com os outros animais é frágil, mas, sobretudo, a existência como característica peculiarmente humana é o que há de mais vulnerável. Existência é "ser-no-mundo", e isso é poder ser atingido, ser tocado o tempo todo por tudo: tanto pelo que vem ao encontro do que desejamos e torna a existência mais plena, como por aquilo que e compreendido como destruição de algo que queremos ter preservado ou como ameaça de que isso possa acontecer. Algumas vezes, e a vida mesma, a própria ou a de um outro, que sentimos ameaçada, e então o sentido das coisas fica abalado, e isso dói. Mas isso não acontece só quando a vida está em risco; acontece também naquelas situações em que sabemos que a vida está ilesa, mas o sentido da vida se quebra ou se torna confuso. A existência é sempre um poder ser diante de um "para quê", de um "a fim de que", e quando este se rompe ou está ameaçado a existência sai machucada. Em algum grau e de alguma forma, algo esta doendo quando a pessoa procura a terapia, embora, as vezes, no começo ela nem identifique ainda aquilo como dor. "

 

 

AS DORES INVISÍVEIS

 
"Damos uma topada na pedra e o dedo dói; alguém sente que a garganta dói; a indigestão faz doer o estômago. Os animais também sentem essas dores. Mas onde dói uma decepção? Onde dói o sentir-se perseguido? E o sentir-se culpado? E a falta de amor? E a falta de sentido? Onde dói a incerteza? E, o saber da precariedade de tudo onde dói? "

 
"Uma arvore pode cair despedaçada por um raio ou esmagada por urna grande pedra, e todo mundo vê. Uma outra, a gente quase nem percebe, mas ela vai perdendo o viço e, lá um dia, está seca. Foi prejudicada por parasitas ou por pragas que se instalaram nela. Acontece isso também com algumas plantas que começam a murchar em seus vasos. São atacadas por pulgões, por cochonilhas, que lhes roubam o vigor. Às vezes,  demoramos a perceber o que está acontecendo; e como é difícil, depois, livrar a planta dessas pragas quase invisíveis!"

 

O OUTRO

 
"Ao concebermos o "ser-com" como uma característica básica da existência, dizemos que esse "ser-com" o outro faz parte também da estrutura do "ser-no-mundo". Eu levo o outro comigo, mesmo se não me importo com ele; se sou hostil ao outro; se me afasto do outro numa renúncia necessária em vista de outros ideais; se me afasto do outro porque não gosto de gente; se prejudico o outro; se digo "o outro que se dane". Basta ver que, até para poder articular esses pensamentos, em  todos eles, aí esta sempre o outro. E quando alguém o elimina, mesmo concretamente, matando-o, aí estará sempre o outro que alguém matou."

 

 OS CHISTES

 
“Uma sessão comporta alguma brincadeira, algum comentário leve sobre um assunto qualquer. Com alguns pacientes, essas coisas aparecem em algum momento da sessão, e podem até ajudar na formação de um vínculo facilitador de confiança; podem favorecer a entrada em assuntos mais sérios; mas, mesmo que não consigamos essa entrada, não foi tempo perdido. Provavelmente, naquele dia, o paciente precisava daquela vivência mais descontraída com seu terapeuta. Ela não terá sido inútil, pois, numa conversa aparentemente fútil na terapia, muito do paciente se mostra, e isso, num outro momento, vai ajudar na compreensão que o terapeuta tem dele.”
 
 

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